José Ricardo, depois de Apócrifo no ano passado, surge agora Versos Olímpicos. Porquê a temática olímpica, este virar as páginas para os deuses?
O livro, a meu ver, é sobretudo um virar de página muito irónico. Pretendo afirmar a forçosa relação da poesia com os deuses, mas também o seu contrário. A escrita encontra-se demasiadamente marcada por imagens negativas. Quase todos cospem na sopa onde vão depois comer. Mas talvez tenha sido sempre assim.
O livro, a meu ver, é sobretudo um virar de página muito irónico. Pretendo afirmar a forçosa relação da poesia com os deuses, mas também o seu contrário. A escrita encontra-se demasiadamente marcada por imagens negativas. Quase todos cospem na sopa onde vão depois comer. Mas talvez tenha sido sempre assim.
Num mundo cada vez mais em comunicação (se é real ou não, é outra conversa) afirmas, como um aedo, «Foram as mais grandiosas Olimpíadas de sempre. / Participaram todas as nações conhecidas./ Resultados muito além do que seria de esperar(…)». Será isto um olhar para trás, uma provocação aos deuses da modernidade?
O que está em causa é a literatura como resultado. Sempre entendi a poesia como um processo de descoberta interior. A poesia é, para mim, auto-revelação - lida ou escrita. Talvez este entendimento seja desadequado aos dias de hoje.
«O mundo subsiste/ graças ao movimento das suas imagens (…)» é este o mundo do espectáculo que glosas nos teus poemas? Tudo é imagem? O Homem já não transforma o mundo?
Verdade: o homem já não transforma o mundo. O que transforma o mundo são as imagens e as imagens não são já forçosamente humanas.
Dito isto, assumo uma atitude céptica face ao mundo. Aliás, o mundo cada vez mais se resume aos meus gestos, às minhas pessoas, ao meu mundo. Não poderia ser doutro modo. E também eu existo cada vez menos.
No poema Versos Olímpicos, que dá o título ao livro, chegas a dizer que desejarias não ter escrito o poema. Ou que a retórica diminui os versos porque esta vem da prosa. Há mesmo uma contaminação a que queres fugir?
A escrita fica sempre aquém. O poema é sempre uma construção que se afasta da fulguração que, por um momento, o trouxe presente ao espírito e à mão do poeta. A palavra é uma degradação. A retórica salva (mas pouco, obviamente...).A poesia trata-se, por natureza, de um processo retórico, por mais que digam o contrário. É essa a felicidade da escrita, mas também o seu inferno: tentar captar essa fulguração.
«(…)Deus vê com os atletas / e corre por dentro dos espectadores». Deus somos nós? Então de que é feito este deus que permite que o mundo fique pior nesses 40 dias?
Esse poema da contra-capa é pura blague. O mundo está pior desde o início. Todas as épocas têm o seu lamento característico.
Mais uma questão, José Ricardo: este livro tem pouco a ver com os Jogos. Ou tem somente na sua teatralidade, na relação construída entre deuses e homens?
É, creio eu, um livro sobre a poesia. A poesia como performance. A poesia como vitória e como derrota. Enfim, como coisa de nenhuma valia. Porque, na verdade, o que importa é o processo de crescimento e aperfeiçoamento interior de quem escreve e lê os versos. Se estes permitirem um (re)encontro já não é nada mau.
Diz-me qual a tua opinião sobre o estado da poesia no nosso quintal? Estamos condenados a sermos os eternos 200 leitores de poesia? Ou Herberto Hélder abre portas?
Já atrás me referi ao interesse que a poesia tem para mim. Não sou daqueles que acreditam que a poesia traz a verdade ao mundo. Quanto muito trará a cada um a sua verdade. Penso que isso é suficiente.