John Zerzan publicará Futuro Primitivo, na Deriva, com um novo prefácio para a edição portuguesa, datado de 2006, o último das muitas edições que esta obra conheceu pelo mundo, desde o seu aparecimento em 1994. Trata-se de uma obra importantíssima pela recusa em enveredar pela cartilha da antropologia oficial (que Zerzan tão bem desmascara) e por uma perspectiva completamente nova da pré-história que nos é dada por este pensador libertário. Tudo é posto em causa: o trabalho, o patriarcado, a guerra primitiva, a família e a propriedade. A subtileza argumentativa do autor reside no uso que faz das ideias centrais e das afirmações dos académicos e cruzá-las de modo a parecerem, afinal, um conjunto de contradições insanáveis. A obra apresentará uma nova tradução.
«A divisão do trabalho, que tanto contribuiu para nos submergir na crise global do nosso tempo, age diariamente para nos impedir de compreender a origem do terror do presente. Mary Lecron Foster (1990) peca, certamente por eufemismo, quando afirma que, hoje em dia, a antropologia está «ameaçada por uma fragmentação grave e destrutiva». Shanks e Tilley (1987) fazem eco de um problema semelhante: «o objecto da arqueologia não é somente o de interpretar o passado, mas de transformar a maneira como é interpretado em benefício da reconstrução social actual.» Evidentemente, as Ciências Sociais, por si só, limitam a perspectiva e a profundidade da visão necessária que permitiria uma reconstrução como esta. No capítulo referente às origens e ao desenvolvimento da Humanidade, o leque de disciplinas e de sub-disciplinas cada vez mais ramificadas – antropologia, arqueologia, paleontologia, etnologia, paleo-botânica, etno-antropologia, etc. – reflecte o efeito redutor e incapacitante que a civilização personificou desde o seu início.
No entanto, a literatura especializada pode dar-nos uma ajuda bastante apreciável, na condição de a abordar com método e vigilância apropriadas, na condição de decidir não ultrapassar os seus limites. De facto, as deficiências destas maneiras de pensar mais ou menos ortodoxas correspondem às exigências de uma sociedade cada vez mais frustrada. A insatisfação da vida contemporânea transforma-se em desconfiança perante as mentiras oficiais que servem para legitimar tais condições de existência; ela permite, assim, desenhar um quadro mais fiel ao desenvolvimento da humanidade. Explicou-se, exaustivamente, a renúncia e a submissão que caracterizam a vida moderna pelas contingências da «natureza humana». No fim de contas, o mito da nossa existência pré-civilizada, pretensamente vivida por privações, brutalidade e ignorância acabou por fazer parecer a autoridade como uma benfeitoria que nos salvou da selvajaria. Invoca-se sempre o «Homem das Cavernas» e o «Homem de Neanderthal» para nos lembrar como nós seríamos sem religião, Estado ou trabalhos forçados.(...)»
No entanto, a literatura especializada pode dar-nos uma ajuda bastante apreciável, na condição de a abordar com método e vigilância apropriadas, na condição de decidir não ultrapassar os seus limites. De facto, as deficiências destas maneiras de pensar mais ou menos ortodoxas correspondem às exigências de uma sociedade cada vez mais frustrada. A insatisfação da vida contemporânea transforma-se em desconfiança perante as mentiras oficiais que servem para legitimar tais condições de existência; ela permite, assim, desenhar um quadro mais fiel ao desenvolvimento da humanidade. Explicou-se, exaustivamente, a renúncia e a submissão que caracterizam a vida moderna pelas contingências da «natureza humana». No fim de contas, o mito da nossa existência pré-civilizada, pretensamente vivida por privações, brutalidade e ignorância acabou por fazer parecer a autoridade como uma benfeitoria que nos salvou da selvajaria. Invoca-se sempre o «Homem das Cavernas» e o «Homem de Neanderthal» para nos lembrar como nós seríamos sem religião, Estado ou trabalhos forçados.(...)»
Futuro Primitivo, de John Zerzan (a publicar em Abril, págs. 1 e 2)
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