terça-feira, abril 29, 2025

"Lavores de Ana", Ana Cláudia Santos

 

Companhia das Letras, Março de 2025

«Lavores de Ana», não deixará ninguém indiferente o que, por si só e perante a anemia da literatura portuguesa contemporânea, é uma mais-valia. Mas este livro é muito mais do que isso. É um livro corajoso, extremamente bem escrito e que nos interpela directamente, sejamos nós quem formos ou julgamos ser. Sinceramente, nunca esperei um livro com esta dose de frontalidade e, paradoxalmente, de subtileza como a que demonstra a autora e mesmo que nos avise, já num final em forma de quase apoteose, deste livro que guardarei sempre: «Poderia ser a minha história.» Provavelmente não o será. É, pois, a história de «Ana, Anna, Annarella, Annarè...» que divide a sua vida jovem (a autora nasceu em 1984), de uma geração que se foi daqui para fora, entre Lisboa e Nápoles, entre o sul de Portugal e o de Itália. Ana atravessa a quadrícula de Nápoles connosco, traduzindo-nos os dialectos, apresentando-nos os seus desejos, vivendo no bairro de Sanitá, levando-nos a Sorrento de Vespa com os seus amores Enzo e depois Marco que ela julga serem eternos e cuja separação se torna fácil. Espantosamente fácil. Muito mais tarde volta a Nápoles e custa-lhe reconhecê-la com a gentrificação: «Estamos constantemente em locomoção...» e a quantidade de turistas cansa-a, rendidos também à «febre Ferrante».

Ana luta contra a solidão de um trabalho contínuo de tradução (Ana Cláudia Santos é igualmente uma tradutora literária, que reconhecerão facilmente), de teses de mestrado e de doutoramento, dá aulas de português para italianos e convive com napolitanos, sejam eles, ou elas, de classes diferentes o que nos dá uma visão social muito verosímil do romance. Mas também nos conta a História de Nápoles lembrando-nos a frase de Goethe «Vedi Napoli e poi muori.», os pátios dos palazzos onde tudo acontece, ou aconteceu desde o século V a.C., aquela Neapolis que alguns gregos tiveram a ousadia de criar uma nova cidade ao lado de Partenope, o nome de uma das três sereias que se suicidaram por Ulisses as ter ouvido. Os gregos ganharam a cidade aos etruscos pouco dados a militarismos e amantes da cultura, sabemos no que estas coisas dão.

Ana, aos 40 anos, pensa ser mãe, não por qualquer necessidade social, religiosa ou reprodutora imposta, e descobre a possibilidade de não pode ter filhos. A parte IV, «Sopro», do livro (tem cinco capítulos) constitui as páginas mais belas e inquietantes do livro, porque é uma das interpelações mais pessoais que a personagem nos acomete directamente, a nós, leitores: 

«Se uma mulher diz ao mundo que está a tentar engravidar, e o tempo passa e nada acontece, em torno dela conjectura-se. Pensa-se que, não havendo concepção, haverá alguma coisa nela que não funciona bem. Nesse aspecto, não reina no mundo a falta de imaginação. Presume-se que será por ela ter muito ou pouco peso; por trabalhar demais; por fumar; por beber demasiado álcool ou demasiado café; por não dormir o suficiente; por não tentar o suficiente; por não querer realmente. Será dos óvulos, do útero, das trompas? Será a Mãe Natureza, na sua sabedoria recôndita, a fazer uma selecção secreta para impedir que aquela mulher venha a ser uma mãe defeituosa? Que haverá nas entranhas dela, nas profundezas do seu corpo, que obste à concepção?» (pág.98)

Impossível esquecer a forma como Ana Cláudia Santos nos permite sentir Nápoles como ela no-la apresenta: «Por vezes, penso que Nápoles foi a única coisa que me aconteceu. No entanto, o resto da minha vida e os meus diários desmentem-no.» Há duas estadias longas nesta cidade e a autora despede-se dela numa quase apoteose, que eu referi logo no início, muito difícil de encontrar na literatura contemporânea que eu conheça. Passa-se na Baia de Sorgeto:

«Há qualquer coisa na águas deste sítio. Dizem que são ricas em minerais, que rejuvenescem e possuem propriedades curativas. A mim, excitam-me profundamente. Sentamo-nos no minúsculo molhe, em mornos degraus de pedra, absorvendo a energia geotermal. Numa zona mais abrigada, debaixo da rocha, cobrimos o rosto e o peito com uma lama verde, que depois lavamos na água. (...) Estendo-me numa pedra morna e viro a cabeça para o mar. Atrás de mim, as rochas escarpadas desenham a enseada. Por instantes, fez-se silêncio, calam-se as vozes dos banhistas, o marulhar das águas é imperceptível. Tomo consciência do meu corpo e da minha respiração, relaxo e alongo a musculatura, que redescubro, sólida, consistente. Ílio, ísquio, púbis. Os pequenos ossos do pavimento pélvico. Deixo-me deslizar da pedra para a água, que me envolve em ondas suavíssimas. Sou mais do que um corpo.» (pág.120) 

Li este livro num só dia. Lá fora, um apagão. E esta cena, como outras descritas desta forma tão intensa, fizeram-me recordar o que Ana Cláudia Santos nos propôs numa Itália em películas a preto e branco com uma Sophia Loren ou Ingrid Bergman no sopé do Vesúvio, ou um Benedetto Croce, ou um Goethe, ou ainda, sob responsabilidade minha, de Susan Sontag. 

Depois de o ler aconselho vivamente ouvir-se a Suite nº4 de Handel, aplicando a teoria da deriva vasculhando excertos do livro. Não o abandonem logo.

alc

segunda-feira, abril 28, 2025

"Os que não caem como Ícaro", Catarina Costa

 

Companhia das Ilhas, 2025
Em 2013, tive a felicidade de editar Catarina Costa com o seu "Dos Espaços Confinados", na Deriva. A experiência foi das mais gratificantes que senti como editor, não sem que percebesse que a autora, e muito certeiramente, recusava a exposição mediático-festivaleira do meio. Pressenti que estava perante uma poeta. Introspectiva, reflexiva, sólida. Segui-lhe, intermitente, os passos entre o romance e a poesia. 

Este é um extraordinário livro de poesia. Só posso garantir-vos assim dito, porque não gosto muito de utilizar adjectivos vãos. Não o largo tão cedo e acompanha-me na mochila. Aconselho-vos a fazer o mesmo, a adquiri-lo, a lê-lo sem concessões. Não o sublinhem, porque podem subsumir expressões e poemas adjacentes. Tomem o poema como um todo porque só assim terá sentido. Marquem, talvez, a página daquele a que voltarão sempre. Como este:

"Refreia a pulsão para embelezar o que decai
capta com objectividade cada esquina, 
cada casa, cada rosto que desce pelo tempo,
regista-os sem idealismo
antes que sejam subitamente aniquilados 
ficando os seus retratos a pender póstumos
num teatro de enganos, 
antecipa a necessidade de provas 
depurada de enfeites, 
não encenes, 
grava as silhuetas dos corpos a definhar
em que o único sombreamento
seja dado pelo ângulo da carne declinante 

não embelezes, 
tudo pode ser arrasado 
quando menos se espera 
expondo a carcaça artificial dos ornamentos

antecipa, 
que não te falte a profecia do dilúvio 
para saberes que deve ser fiel
a homenagem às coisas condenadas"

"Que não te falte a profecia", pág.7

Ou este ainda:

"Trágicos são os que não caem como Ícaro, 
os que caem sem nunca se terem podido elevar 
mais do que um palmo acima da terra, 
os que sucumbem desasados 
a uma só estocada rente à superfície 
antes de poderem arranjar cera de abelhas
e penas de pássaros para construir as asas 
que derreterão durante o voo
ao aproximarem-se em demasia do Sol
na ignição extática do aniquilamento 

que os que tiverem de cair ao menos caiam
desde as alturas e não desde as planuras
e chegando ao cimo possam ver
o quanto subiram pela vontade e engenho
e quão elevado é o ponto a partir do qual se desce

que ao menos sintam sobre o dorso despido 
e indefeso, quase carcaça, a tombar contra a terra 
o precipitado adejo de uma asas simuladas"

"Os que não caem como Ícaro", pág.33

Catarina Costa nasceu em Coimbra em 1985. Publicou o seu primeiro livro em 2008, "Marcas de Urze". Colaborou em várias revistas de poesia. Tem já uma bibliografia significativa embora discreta. É uma das maiores poetas actuais e seria importante que a seguissem com muito mais atenção. 

alc



quarta-feira, abril 23, 2025

«Trilogia da Cidade de K.» Agota Kristof

 

Relógio D'Água, 2021. Tradução de António Gonçalves
«Eu nunca terei paz!», afirma Lucas no primeiro livro desta trilogia intitulado «O Caderno Grande». Segue-se «A Prova» e «A Terceira Mentira» escritos pela húngara Agota Kristof falecida em 2011, na Suíça. Já editada em Portugal em 1986 é, contudo, a partir de 2000 que alcança alguma notoriedade entre nós pelas editoras Asa, Nós e Cavalo de Ferro. Esta tradução é revista por António Gonçalves, pela Relógio D'Água e junta os três livros antes editados separadamente com o nome de «Trilogia da Cidade de K.» o que terá toda a lógica visto que fazem parte do que a autora entendia ser uma saga que narra a «trilogia dos gémeos».

Voltemos à frase de Lucas «Eu nunca terei paz!» num dos muitos diálogos desenvolvidos pelas personagens que se vão revezando numa espécie de vertigem teatral onde temos dificuldade em distinguir o real do imaginário. Essa densidade vai tornando-se mais opaca quando transitamos a leitura entre os livros. Entre a opacidade psicológica das personagens, principalmente de Mathias e de Lucas (nomes de evangelistas que, creio, não existirem por acaso), os gémeos, dá lugar a uma abertura extraordinária, quase de revelação última, se a autora assim o quisesse. Contudo, volta-se a entrar e a sair de zonas sombrias para uma pura iluminação pessoal. É um livro fortemente impressivo que impõe uma opção clara entre o mal e o bem, mesmo sabendo que se cruzam, que interagem entre si, que todas as personagens do livro, algumas delas decisivas, trazem essa passagem, promovem um ciclo intransponível de actos que se sucedem e se revelam muito para além dessa dicotomia. A crueldade elevada ao extremo, a rudeza de quem já viu tudo, de quem não pode acreditar, de todo, na humanidade encontram-se com a disponibilidade solidária, com o amor, com o desejo, com a preocupação desinteressada com o outro. É evidente que estamos perante um clássico da literatura. 

Sabe-se pouco, sobre a vida de Agota Kristof (Ágota Kristóf, com a acentuação e grafia originais). Pelo menos sobre o que pesquisei e encontrei. Esta trilogia, que recomendo a todos lerem, inicia-se antes da II Guerra Mundial, atravessa-a; aliás, os húngaros atravessam-na com dois exércitos de ocupação antes e depois da guerra e sofrem com esse movimento quase tectónico de mortes, fome em extremo, vinganças, armas, soldados, abusos, mudanças obrigatórias, fugas permanentes para todo o lado. A zona de fronteira é uma miragem, uma zona tampão, e é lá que os gémeos vivem. Tudo ali se passa num universo concentracionário, vigiado, que os diálogos extremamente contidos entre as personagens nos dão a sentir. No fundo, nada é o que parece, tudo se transforma em coisa má, ou, dentro do mal, arranja-se sempre uma solução onde predomina o auxílio, a partilha e o sentido de comunidade. Não se pense, todavia, que é um livro sobre a guerra. Também o é, visto que a autora não se pode apartar da sua própria vida (nasceu em 1935), mas não se pode esquecer que ela tinha 21 anos em 1956, ano da invasão do Pacto de Varsóvia à Hungria, a primeira grande resistência à burocracia que a morte de Estaline, três anos antes, não modificou. Foi na leva de 200 mil refugiados que abandonaram a Hungria nessa altura, deixando para trás dezenas de milhares de mortos e um país traumatizado, sem entender a repressão sobre operários, camponeses e estudantes que exigiam uma vida melhor e que esse estado não conseguiu sequer equacionar. Com 21 anos acredite-se que não se esquece facilmente uma revolução. Sabemo-lo. A história da trilogia pára no final dos anos 80 após a queda do Muro, sem que Agota Kristof, em determinadas linhas, não dê conta igualmente da desilusão do modo de vida ocidental, demasiado preocupado com o dinheiro e com a solidão. Fica-nos uma espécie de nostalgia por uma vida comunitária de pequenas cidades, de vilas e de aldeias com uma coesão firme, com uma cola social que pensaríamos indestrutível. Não obstante, tudo morreu com o fim dos gémeos e do recomeço de guerras surdas que exigem seguir a sua própria lógica de destruição/reconstrução/repressão. A possível verosimilhança, a realidade que a autora nos propôs é, paradoxalmente, o título do último livro da trilogia: «A Terceira Mentira». Inesquecível.

ps: um obrigado muito especial à Inês Lampreia que me apresentou este livro excepcional.

alc

segunda-feira, abril 14, 2025

«O Triunfo da Morte», Gabriele D'Annunzio

 

Minotauro, 2018. Tradução de Celestino Gomes
Um decadentista romântico tardio como Gabriele D'Annunzio chamava-me, há muito, cada vez que eu ia a uma livraria. «Qualquer dia, leio-o» era um mantra constante quando eu via a lombada de «O Triunfo da Morte». Corto Maltese dizia, através do seu autor, Hugo Pratt, que qualquer dia acabaria de ler «A Utopia» de Thomas More e, que eu saiba, «morreu» sem o conseguir. Também podem pensar: «Mas este tipo só lê fascistas?», embora não haja a certeza que D'Annunzio o seja ou que o número de fascistas que li é ínfimo, mesmo contando com o actual Houellebecq. Portanto, entrar-se-ia numa polémica que não terá aqui lugar, se o autor era ou não um deles. Pouco interessa. O que vale num pequeno artigo sobre este livro é que este autor anunciou claramente o fascismo sem precisar de nomeá-lo, mas pensou-o, delimitou-o ideologicamente, romantizou-o. O livro foi escrito em 1894, quando a demo-liberalismo entrava em decadência absoluta e defende, contudo, a entrada na I Guerra ao lado dos Aliados e a Itália tergiversa: primeiro, ao lado dos alemães e austro-húngaros e depois ao lado dos Aliados durante a própria guerra. Mau augúrio político que vai pagar caro nas conferências de paz. D'Annunzio combateu nas fileiras do exército e em 1918 ataca e ocupa Fiume com um grupo de apaniguados que, mais tarde, Mussolini exalta. Os tratados ignoram as pretensões italianas e Fiume, agora novamente austríaca, cai. O fascismo italiano impõem-se em 1922. O que tem isto a ver com o livro? Tudo.

Nietzsche só é citado uma única vez no início do livro, embora isso nada prove. O filósofo, como sabemos, estava longe de qualquer pretensão política totalitária. No entanto, estranhamente, atribui o conceito de super-homem a Goethe! Giorgio e Ippolita são as personagens. Longe da moral vigente, poder-se-ia dizer que estamos na presença de uma obra que foge aos trâmites burgueses. É certo que sim, mas pelo lado de uma aristocracia que pode, deve, ter o poder total sobre as classes estando acima delas. Apresenta um desprezo total pelas massas, pelo dinheiro, pelo povo, pela religião cristã ou outra qualquer. Até pela racionalização filosófica: «Pensas demais!» dirá Ippolita, em fuga de um casamento falhado e amante de Giorgio que atinge paulatinamente a felicidade na ideia de morte, no pensamento da morte, no espectro da morte. Este odeia o seu pai, um burguês rico mas falido, não encontra paz na família, mas na sua própria individualidade e na violência do seu pensamento: «Era, na vida, como um navio que soltava todas as velas à tempestade». Ou então: «Este homem intelectual, sabe-se lá por que influxo da consciência atávica, não podia renunciar aos sonhos românticos de felicidade. Este homem sagaz, apesar de ter a certeza de que tudo é precário, não podia furtar-se à necessidade de buscar a felicidade na posse de outra criatura. Ele bem sabia que o amor é a maior das tristezas humanas...» 

É assim que ele vê, que sente as outras criaturas: como suas, pertencendo-lhes totalmente para as dispor consoante o seu desejo que está longe do carnal. A mulher é um objecto em nada virtuoso. Sagrado ao princípio, torna-se inútil quando ele se farta, vê-a «como o Inimigo» que o fragiliza na sua virilidade, na sua força intelectual, na possibilidade de vencer o mundo. O povo é visto como uma massa demente, suja, que se arrasta em volta dos ídolos do cristianismo e, ao mesmo tempo, paradoxalmente para ele, que festeja a força da natureza no arranque da primavera, nas festas paganizadas de uma ruralidade pura, que revivifica a natureza em ciclos dionisíacos. Tal como a guerra. Tal como a morte libertadora. Giorgio sofre agora com a ausência de um chefe condutor que para si foi um seu tio, Demétrio, que se suicida. Ele segue-lhe o rasto. Fá-lo, atirando-se de um precipício e assassinando nesse último voo, Ippolita.

Calha-me dizer que sim: D'Annunzio é um fascista antes do tempo e Mussolini abraçou-o sem que aquele alguma vez tenha aderido ao PNF. Para quê? «O Triunfo da Morte» é um clássico, incontornável e a literatura deu-lhe a possibilidade de evitar qualquer apresentação panfletária de um programa. Mas toda a ideologia fascista está contida em «O Triunfo da Morte». 

Por que razão o li? Por uma questão que me parece ser essencial nos dias que correm: o fascismo contemporâneo aparenta ser pobre ideologicamente e os intelectuais ainda resistem ao seu chamamento, mas os principais pressupostos estão nos seus ódios e que coincidem neste livro de 1894: o povo, essa entidade heterogénea que admite dentro de si uma luta de classes que não terminou, um ódio particular e explícito às mulheres, ao livre arbítrio individual, à liberdade e à paz. Não é Giorgio que diz pela mão de D'Annunzio que perante um povo amorfo, crente, pobre, rastejante é nas cristas das ondas que se vê o poder dos fortes, verdadeira metáfora fascista para o poder das elites? 

Estejamos certos que os tempos estão extremamente perigosos e que a caixa de Pandora da guerra e da arbitrariedade política está aí ao virar da esquina. 

Veneza


 



Milão

 





Florença

Florença, um dos pólos culturais mais significativos da chamada civilização ocidental apresenta, orgulhosa e impante, as cenas de violência comuns cá na casa: cacetadas de porrete, facas afiadas, espadas que decepam tudo, olhares desafiantes, raptos e violações de mulheres; Perseu corta a cabeça de Medusa, David contra Golias que o mata e decapita, a vingança sanguinária de Artemisa, Hércules parte a espinha a Centauro, Aquiles jaz morto com Ajax e este a arfar de vingança, as Sabinas sofrem às mãos dos romanos. Lá dentro da Uffizi jazem crucifixos e dor, torturas a Santa Catarina com rodas dentadas, a Santo Estêvão esfolado, a S. Sebastião espetado. E isto não acaba nunca...

Só me resta acalentar a esperança que isto tudo é só reinação para o estrangeiro ver: os budistas do Japão, os xintoístas da China, os lamas do Tibete, os hindus, os ameríndios do norte, os africanos, que pensarão deste tipo de arte degenerada?
E um tipo recua até à Piazza della Signoria e repara que calca uma estela: lê que foi ali que queimaram vivo Savonarola, o tal que durante quatro anos criou uma república cristã onde tudo era proibido, onde se seguiam as leis rígidas das escrituras. Literalmente: fogo!