D. Quixote, 2024. Tradução do sueco de João Reis. Segue o AO90.
Livro de 2022 de Ia Genberg, autora sueca em construção, divide-se em quatro capítulos, cada qual com uma personagem. Nem todas femininas. Não são propriamente «detalhes», nem os encarei como tal. Se por detalhes, encontramos o acaso e a necessidade, título de um livro importante de Jacques Monod que talvez venha a falar dele aqui, então estamos cientes que a vida é isso mesmo: um conjunto de pequenos detalhes que nem damos por isso, mas que imprimem uma linha irreparável no nosso percurso individual. Para o bem e para o mal e, sejamos justos, mais para o primeiro do que para o segundo, maniqueísmos à parte. Alegrias, esperanças, desilusões, relações inesquecíveis, equívocos, depressões, doenças, euforias, desejos avassaladores estão em toda a parte variando proporcionalmente na medida das escolhas e caminhos que percorremos. Poderia ser um livro-estucha, moralista, mas não é: Ia Genberg escreve muito bem, recusa a vulgaridade e isso é determinante para o entusiasmo com que se o lê. Tem momentos bons de leitura como estes:
«Eu e Johanna tínhamos na literatura a nossa brincadeira predileta. Apresentávamo-nos mutuamente autores, temas, épocas, regiões, obras individuais e livros antigos e contemporâneos de diferentes géneros. Tínhamos gostos semelhantes, mas opiniões divergentes o suficiente para tornar as nossas conversas interessantes. Não concordávamos em certas coisas (Oates, Bukowski), outras deixavam-nos a ambas indiferentes (Gordimer, fantasia), e partilhávamos alguns favoritos (Östergen, a trilogia Krilon, de Eyvind Johnson, Lessing). Conseguia perceber se a Johanna gostava ou não de um livro com base na velocidade com que o lia. Quando lia muito depressa (Kundera, todos os policiais), sabia que estava a aborrecer-se e a apressar a leitura, a fim de terminar o quanto antes, e quando lia muito devagar (O Tambor de Lata, de Grass, toda a ficção científica), sentia-se igualmente entediada, mas tinha de se esforçar para chegar à última página. Via como sua obrigação terminar todas as leituras, tal como terminava todos os seus cursos, trabalhos e projetos. Havia nela um sentido de obediência profundamente enraizado, uma espécie de respeito pela tarefa em mãos, por mais inútil que esta lhe parecesse.»
Um detalhe último com o qual, por acaso, me identifiquei totalmente. Também o faço. E quem não?
«Em novembro, costumamos comprar velas e ir ao cemitério, onde nos encontramos à entrada com Sally e os seus filhos (a campa do pai dela dista trezentos metros da da Brigitte [a mãe da autora], e, enquanto caminhamos entre lápides, os anos passam em nosso redor atrás de cortinas difusas. Para os mortos, a cronologia não tem qualquer importância, e só os detalhes interessam - o grau de densidade, estes como e o quê, e tudo o que tem que ver com o quem.»
alc