Capa do Expresso após as legislativas. A recusa em ver
resolvidos os problemas dos professores dá votos à extrema-direita.
E esta já o compreendeu para as autárquicas.
Isto já não é pesca à linha que o Chega faz aos professores: é uma verdadeira pesca de arrasto que, como sabemos devassa não só os peixes, como o fundo do oceano base de toda a alimentação. Metáfora, é certo, mas que serve para compreendermos a estratégia da extrema-direita.
No argumentário utilizado pelo Chega para levar a bom termo as campanhas autárquicas aconselha os seus candidatos a não hostilizarem os professores, visto que num dos sete pilares da campanha o candidato chegano é levado a:
“Considerar os educadores e os professores a chave do bom desempenho eleitoral (…). Aproximando-se dos educadores e dos professores do seu concelho, estratégia política e eleitoral fundamental para a inserção e afirmação do Chega no mundo autárquico e a nível nacional, no imediato e a prazo”.
E entre todos os considerandos do partido de extrema-direita que são claramente entendidos por todos nós como óbvios devido à degradação do ensino levada a cabo pelos sucessivos governos acrescenta-se ainda:
“Nenhum autarca da actualidade (…) é inocente na grave degradação do ensino e, por isso, deve ser clara e objectivamente criticado. Por todo o país, nenhum autarca tem desculpas para não ter visto, por exemplo, crescer a indisciplina nas salas de aula, as depressões e frustrações entre educadores e professores ou a consequente má preparação escolar que se tem agravado, prejudicando o futuro das crianças e jovens das famílias que não podem pagar o ensino privado, ou nem sequer têm acesso ao mesmo''.
Por hoje, os autarcas serão os culpados, amanhã... Ora isto é escrito e assinado por Gabriel Mithá Ribeiro, um chegano que antes de o ser já o era, mesmo quando militante do PSD publicando um triste livro sobre as «mentiras» históricas que os manuais do ensino público andavam a propagandear, principalmente no que respeita à «gloriosa» expansão e posterior colonialismo português. Hoje, diz que o racismo acabou com o apartheid sul-africano. Não existe, ponto! Também se destacou pela invectivas contra a indisciplina nas escolas e a coisa colhe pela demagogia: nada melhor que a prática escolar do regime salazarista para pôr as coisas em ordem.
Mas a autêntica volta de 180 graus vem com o programa do Chega: defendendo acerrimamente o fim do SNS e da Escola Pública, no que a esta última diz respeito inflecte o discurso: afinal a escola pública é para existir. O que se deve é dar aos professores mais autonomia para acabar com a bandalheira da indisciplina e apontar os culpados visto que e mais uma vez não há um só autarca que não seja culpado ao que isto chegou nas escolas'.
É com alguma apreensão que vejo este namoro descarado aos professores com um discurso populista e demagogo em toda a linha. Mais apreensão tenho quando noto que está tudo silencioso. Temo que este discurso cole em muito dos docentes. Não é necessário estar numa sala de professores diariamente para ouvir que ''levei umas chapadas no meu tempo e não me fizeram mal nenhum'', ''sabia-se mais na 4ª classe do que em mestrados actuais'', ''venham os exames! Reprove-se quem não sabe. Há uns anos só tínhamos de justificar se houvesse mais de 50% de chumbos e nunca fui impedido(a)!'', ''isto do rendimento mínimo dá para tudo. Retirassem-no quando chumbavam e isto acabava logo'', já para não falar de atoardas contra ciganos, chineses, russos e contra os alunos LGBTI. Cada vez mais cresce a agressividade dos professores, à falta de verem resolvidos os seus verdadeiros problemas e de o Poder os tratar como trata (então este último ministro é autêntica gasolina nesta fogueira). É verdade que o cansaço dos professores é bem visível e nota-se isso quando são os reprodutores do discurso das notícias das redes sociais, ou dos noticiários oficiais. É possível que a crítica, o gosto pelo debate e a investigação docente tenha decrescido na proporção inversa ao descrédito dos ministérios da educação. Mas que os professores são terreno fértil para os votos da extrema-direita é uma realidade que o futuro vai mostrar mais cedo do que esperamos.
António Luís Catarino