sexta-feira, agosto 06, 2021

A «Ilíada» e a «Odisseia»

 

Em férias deu-me para isto. Podia ser bem pior: reli, com o entusiasmo e bonomia dos meus sessenta, as obras de Homero que eram obrigatórias nas aulas de Grécia Clássica de Maria Helena da Rocha Pereira. Dois anos consecutivos com ela, não me sossegaram o interesse que sempre tive com estes dois livros e com os gregos quer na sua vivênia quotidiana, quer na sua relação com os deuses e com a pólis. Que diferença, lê-los hoje: no meus primeiros dois anos da Faculdade de Letras eram esmiuçadas muitas das páginas da «Ilíada», tal como aquela professora nos queria guiar. Alguns dos episódios mais marcantes da obra eram debatidos e discutidos principalmente nas aulas práticas leccionadas por Ribeiro Ferreira, também ele um helenista, como a vingança de Aquiles (que praticamente só aparece no canto XVIII) sobre Heitor que pressentiu das suas poucas possibilidades em combate contra aquele, como a despedida de Heitor a Andrómaca e ao filho pequeno, o pedido de Príamo para que o seu assassino, Aquiles, restituísse o cadáver do filho, como as personalidades discutíveis pela sua arrogância de Menelau e de Agamémnon e a densidade psicológica de Helena, sempre a odiada e cujo rapto por Páris inicia a guerra de 10 anos de Tróia. 

Já a «Odisseia» é, contudo, diferente, embora eu acredite nos que defendem ter sido escrita pelo mesmo autor da «Ilíada», Homero, e com uma técnica de escrita cuja métrica os seus versos não escondem. Isso não impediria que houvesse igualmente uma tradição oral que tenha perpassado os anos. A «Odisseia» é de enredo menos imaginativo e talvez menos belo, mas ainda assim com recurso ao maravilhoso e ao mágico chamando os deuses que sofrem, que amam, que mentem e que tomam partido por este contra aquele. As personagens são menos densas psicologicamente, embora se realce a brutalidade da vingança de Ulisses, o crescimento rápido de Telémaco e a dúvida permanente de Penélope sobre a sua condição de mulher e de mãe. E, já agora, de raínha. As entrelinhas das duas obras não desmerecem no interesse do leitor, antes pelo contrário, incitam-no às releituras.

Uma palavra para Frederico Lourenço: excepcional tradutor e helenista (não temos assim tantos!) dá-nos pistas nas suas introduções e prefácios à «Ilíada» e à «Odisseia», mas se quiserem um conselho de amigo aos que as vão ler, iniciem as leituras das introduções e dos prefácios quando terminarem as leituras dos poemas. É que terão a oportunidade, após o fazerem, de concordarem ou não com o que é escrito e poderem comparar as vossas opiniões com as dos estudiosos dos clássicos. Podem fazer o mesmo com a «Hélade» de Maria Helena da Rocha Pereira.

Poderia agora ficar aqui a falar do enredo que já quase todos conhecem, mas lê-lo agora sem constrangimentos educativos é outra coisa.