Este livro, cujo título "Cosmos, Caos e o Mundo que há-de vir", traduzo livremente, é de 1993 e não foi traduzido em Portugal. Li-o na versão francesa das Éditions Allia e trata de temas tão interessantes como polémicos o que lhe confere um gosto absoluto em lê-lo.
O Cosmos contra o Caos. O bem contra o mal. Deuses contra diabos maléficos. Concretamente, é mais objectivamente: deuses maléficos contra diabos maléficos porque, estranhamente, a humanidade teve sempre um pendor para adorar quem lhe batia, torturava ou matava em sofrimentos atrozes. No fundo, como os pais castigadores que diziam "levaste um enxurro de porrada mas para teu bem!"
A cosmologia de há 7 ou 8 mil anos atrás era simples (isto é relativo porque as oferendas aos sacerdotes obrigavam à matemática pura!). Os deuses egípcios, mesopotâmios, sírio palestinianos, védicos indianos ou os iranianos tratavam de ordenar o mundo dando aos homens boas colheitas, água abundante e enormes proles ao mesmo tempo que derrotam copiosamente os anjos do mal. Por vezes, estes últimos conseguiam a vitória por algum tempo. Estavam pois explicados os cataclismos, como as secas, terramotos, inundações, etc. A vida para além da morte, má ou boa, não estava dependente da acção do homem. Eram os deuses na sua omnipotência que resolviam os destinos.
A partir do zoroatrismo e das profecias de Zaratustra há uma inflexão total. Haveria um Deus mais poderoso do panteão que lutava contra os demónios do Caos. E mais importante ainda, lá para o ano de 1200 a.C.: começou-se a acreditar que praticar o bem poderia ser recompensador. A alma e o corpo de um justo poderia viver eternamente num paraíso, ao contrário dos desonestos e iníquos que viveriam nas profundezas da terra e no fogo eterno alimentado por dragões manipulados pelas forças do mal.
Segundo Cohn, o zoroatrismo teve uma influência determinante no judaísmo sírio palestiniano, apontando, como é óbvio no Antigo Testamento, um único Deus castigador e implacável que arrolava os pecados do homem como sendo as causas da vitória perene do mal. O judaísmo e o Levítico, com a Tora, aí estavam controlando ao mínimo passo a vida humana.
A seita judaica do cristianismo vem ainda trazer um dado novo: o do filho de Deus tornado o Messias, ou o ungido. A análise de Norman Cohn traduz uma certa inquietação com as paráfrases de Jesus e de Paulo traçando um paralelo entre o Antigo e Novo Testamento. Lendo este último com atenção e alguma distanciação teológica reparamos que quer num, quer noutro, a violência é igual se não maior neste último. O Reino dos Céus não está ao alcance de todos: é só para aqueles que não viraram costas a Cristo. Um balde de água fria para quem, mesmo depois das adaptações e reformulações oportunísticas da teologia das igrejas cristãs, ainda acredita na bondade do Novo Testamento através da mensagem de Cristo.
A coincidência da representação dos deuses é deusas entre as diversas religiões desde que elas apareceram nas sociedades agrícolas e extremamente hierarquizada, até aos dias de hoje são apresentadas por Cohn com grande clareza. Recapitulando, é provável que já o soubéssemos a linearidade e convergência das religiões (até por autores anteriores como Mircea Eliade), mas constituiu um verdadeiro prazer quando tomamos dele conhecimento tão pormenorizado.