Essa experiência já ninguém nos tira e foi lastro para lutas contínuas ao longo da vida, mesmo com o amargo de boca de vermos muitas das conquistas barradas pela ''normalização'' reaccionária do 25 de Novembro. Alguns de nós tínhamos já a experiência do que era lutar na CPAEL (Comissão Pró-Associações de Estudantes Liceais) integrada na semi-legal CDEC (Comissão Democrática de Estudantes de Coimbra) com o marcelismo de unhas de fora. As ''eleições'' de 1973 também ajudaram a construir uma consciencialização, a putos como nós, que isto não ia lá por via pacífica. Os liceus fervilhavam e enquadravam uma luta permanente que ainda está mal estudada. E era a UEC, constituída em Janeiro de 1972, que nos dava as ferramentas essenciais para uma luta estudantil que aumentava de radicalização desde 1969.
O programa da Lista C, no Liceu José Falão, muito genericamente, tinha como lema «Unidade Estudantil com o Povo Trabalhador» lema esse decalcado da UNEP em acelerada construção nessa ocasião. Podia-se então ter acesso a itens do programa que afirmavam:
Ponto 4 - Pensamos, no entanto, que a democratização do ensino não se faz através da substituição de algumas cadeiras deixando o resto intacto, mas sim na definição de uma clara política de ensino com a participação activa dos estudantes e professores na reestruturação das matérias adoptando formas de avaliação de conhecimentos constantes, modificando o actual regime de faltas, abolindo todas e quaisquer faltas de carácter repressivo (faltas de material, disciplinares, etc.); pensamos que o acabar das faltas virá em consequência da alteração dos métodos de avaliação.
Ponto 6 - Saneamento - O saneamento é essencial na RGDE. Defendemos na actual situação o saneamento político pois, por razões pedagógicas não seria funcional devido à falta de professores. Defendemos cursos de reciclagem para os professores se manterem a par dos novos métodos pedagógicos. POR UM SANEAMENTO COMPLETO E EFICAZ!
Consideramos prioritário: A Nível Geral:
a) Criar o máximo de aulas nocturnas para a juventude trabalhadora.
b) Aproveitar ao máximo as possibilidades de salas de aulas, de modo a evitar uma enorme superlotação das turmas.
c) Instauração em todas as escolas de co-educação (ensino misto).
d) Criação de condições para pôr a escola em contacto com a vida e melhoramento do material didáctico existente. Formação de bibliotecas modernizadas e progressistas.
e) Melhoramento das instalações escolares, obras nos sectores mais necessitados, melhoramento dos equipamentos técnicos e desportivos. Melhoria das condições de higiene na escola.
A Nível do nosso Liceu:
a) Fazer funcionar a sala de convívio e obter material para o seu apetrechamento.
b) Reduzir o preço do material escolar.
c) Melhorar as condições da cantina, bar e biblioteca, através de participação activa dos estudantes na gestão democrática desses sectores.
d) Aumentar e melhorar o material desportivo, quer em quantidade, quer em qualidade.
No Capítulo I, logo no início do programa da Lista C do Liceu José Falcão, em Novembro de 1974, destacavam-se as «Transformações Democráticas». Dizia-se então:
(...) Os partidos políticos, os sindicatos, as organizações democráticas actuam livremente. A imprensa publica-se sem censura. Exercem-se livremente os direitos de reunião e manifestação. A importante reivindicação da juventude portuguesa, o voto aos 18 anos já está incluída na nova lei eleitoral. Os trabalhadores alcançaram mais em oito meses, no plano das reivindicações sociais e económicas, do que o haviam conseguido em muitos anos de fascismo. A PAZ foi estabelecida em África. (...)
Os nomes da Lista C do Liceu José Falcão eram estes:
Direcção: Adriano Bordalo e Sá, Ananda Fernandes, Fernando Gil Mesquita, João Gouveia Monteiro, João Pinto Ângelo, Nazaré Fernandes (Né Ladeiras).
Mesa da RGA: Carlos Coelho, Maria Manuel Gaspar Afonso, Ramiro Santos.
Conselho Fiscal: António Luís Catarino, Carlos Pinheiro, Rui Carrington da Costa.
Suplentes: Ana Castro Silva, Carla Paula Baptista, Gilberto Pinto Ângelo, Paulo Gouveia Monteiro.
E assim se recupera alguma memória ainda muito fragmentada das lutas estudantis nos liceus. Se voltaria a fazer tudo de novo. Sem qualquer hesitação - sim!
António Luís Catarino
24 de Abril de 2021