segunda-feira, fevereiro 08, 2021

«Paraíso e Inferno», de Jón Kalman Stefánsson

 

Edição da Cavalo de Ferro, 2013

Frio como tudo, não fosse Bárdur a personagem primeira do livro de Jón Stefánsson ter morrido de hipotermia no mar revolto do Ártico. Estamos na Islândia do século XIX e acompanha-nos esse clima gelado, mesmo quando desponta a primavera, e um amigo, Gúdrun, ou «o rapaz», como lhe passou a chamar o autor, desse pescador morto tragicamente porque se esqueceu de um simples impermeável na faina, se dispõe a atravessar montanhas geladas para devolver «O Paraíso Perdido», de Milton, a Holsteinn, um alemão cego (tal como Milton) e que este tinha emprestado a Bárdur. A errância de um local para outro é tão soturna quanto aos lugares que vai habitando. As personagens seguem-se num ritmo lesto, como quem bate os pés na neve para os não deixar frios ou mexermo-nos constantemente de modo a fazer circular o sangue. E a cerveja mais o vinho que correm nas tabernas. Mas é um livro triste, sem esperança. Só aparece algum conforto com mulheres de estranhos nomes, sardentas, louras ou de cabelos negros. Geirprúdur, Helga, Andrea, Gíslí, Torfhildur ou Ólafía esperam pelos homens que se afogam amiúde e recebem maridos como quem colecciona arenques ou bacalhaus. Talvez o autor queira insinuar uma sociedade matriarcal. E fala-se da morte como uma espécie de companhia permanente desses ilhéus viquingues. E de palavras também. Regista-se:
«As palavras são flechas, balas, pássaros mitológicos que perseguem deuses, as palavras são peixes com muitos milhares de anos que descobrem algo terrível nas profundezas, são redes suficientemente vastas para prenderem o mundo e também o céu, mas, por vezes, as palavras não são nada, roupa rasgada que o frio penetra, uma ameia desmoronada por cima da qual saltam ligeiramente a morte e a infelicidade.» (pág. 163)
Embora o Atlântico que banha o meu país, seja a continuidade sul do Ártico, juro que nunca tinha percebido as palavras desta maneira.

Sendo este o primeiro romance de Stefánsson e editado em 2013 em Portugal continuaremos a saga com «A Tristeza dos Anjos» já nas nossas mãos. Mas comparar este romance com «Moby Dick» ou «O Velho e o Mar», como fazem realçar os editores na badana da capa, não será um pouco exagerado?

António Luís Catarino