Antígona, 2015. Tradução de João Tiago Proença
Livro datado no tempo, mas ainda assim actual. No sentido em que a análise que faz da sociedade capitalista e do seu sistema de produção provoca o aparecimento da alienação. A Razão, quer objectiva, quer subjectiva não produz nenhuma superação da democracia por uma incapacidade teórica baseada nos pressupostos da Revolução Francesa e, antes, pelo sistema iluminista que a provocou, provavelmente sem a querer.
Assim, o ideal tão hipócrita da Igualdade, Liberdade e Fraternidade soçobrou perante a avidez liberal-capitalista responsável pela destruição da Natureza e, por consequência, do próprio ser humano. A Razão alcandorou-se no pragmatismo e no bom-senso desígnios tão burgueses, quanto dominadores. Sem compreenderem, porém, que estes mesmo valores são causas da sua própria destruição, porque incitam a Razão à democracia e à sua perversão, ou seja ao campo totalitário e fascista-nazi. Todo o democrata que provoca guerras (e continuam a ser constantes pelo domínio imperial-capitalista) tem igual razão convocada em nome da verdade, como o nazi que estabelece e coordena o holocausto, a guerra genocida e o horror em nome da mesma verdade e objectivo racional.
O pragmatismo, contudo, nem só dos sistemas políticos vive. Igualmente terá os seus dias contados a religião que à custa de ser pragmática e utilizando o bom senso no decorrer de 2000 anos, vê os seus crentes boquiabertos, ao verem o que eram verdadeiras heresias ainda há poucos anos serem transformadas em encíclicas papais. A modernidade oblige. Tal como os ateus que, acreditando num ser supremo, como Voltaire, ele próprio um papa do Iluminismo, também ele um pragmático que se socorria de dar a Razão aos iluminados nobres e burgueses, retirando essa prebenda ao povo. Infelizmente os seus seguidores tiveram de aceitar por meio de revoltas irreversíveis a ascensão popular e o voto universal.
Hoje, não se fez ainda a superação da democracia racional e iluminada, nem do capitalismo e dos meios de produção que recorre através da alienação. No entanto, Horkheimer não transforma, não propõe, até resiste ao activismo, opondo-se ao «velho» Marx que rogava, e até certo ponto construiu, uma filosofia transformadora, portanto, não contemplativa como até aí. Percebe-se até certo ponto. O filósofo da Escola de Frankfurt pretende voltar à filosofia como um sistema de pensamento especulativo, germinal que vele pelas aspirações livres da humanidade e do indivíduo. Por isso, ou talvez por isso, confronta o anti-intelectualismo e ignorância bem presente tanto na cultura de massas como à brutalidade fascista inerente.
Falecido em 1973, como veria ele hoje, que tanto criticou, já em 1946, o domínio e alienação do Homem pela tecnologia, a sociedade contemporânea? Sociedade essa que colocou panópticos em satélites que podem vasculhar (e vasculham mesmo) a nossa vida mais recôndita?
António Luís Catarino