Por incrível que pareça ao ler este «Os Camisas Azuis e
Salazar» de António Costa Pinto (ACP), lembrei-me da última endoscopia que me
fizeram. Foi tramado. Descobri que na taxonomia do fascismo do autor não cabe a
definição do Estado Novo português. Li, repetidamente, «republicanos
conservadores» arrependidos, claro, da manhosa e violenta I República que foram
o esteio do Salazarismo. Mas atenção. Ter-se-á de ler com muito pormenor o Dr.
Costa Pinto: para chegar à Constituição de 1933, «orgânica» e «corporativa»,
evidentemente, o Dr. Salazar salvou-nos de um caos brutal liderado pelo não
menos maléfico Rolão Preto e seus sequazes, fardados a camisa azul e que se
autoproclamavam Nacional-Sindicalistas, afinal os verdadeiros fascistas
portugueses imbuídos do espírito nacional e imperial e que odiavam o
capitalismo especulativo, a burguesia obesa e parasitária, que advogavam a
criação de milícias que lutassem contra o comunismo, o socialismo e o
republicanismo democrático. Tinham um jornal que titulavam de «Revolução».
Segundo ACP, os operários eram maioritários na organização seguido de
estudantes universitários. Mas estes dados ter-se-iam de corrigir numa futura
investigação, tal como o número de filiados que variavam entre 50 mil a 10 mil.
ACP afirma que é melhor ficar pelos 20 mil que seria o número gémeo da
recém-criada e balofa União Nacional. Que rigor! De 1931 a 1938 os NS tentaram as suas
conspirações anuais através do exército ancorado nos «tenentes» da Liga 28 de
Maio. Todos eles vieram do Integralismo Lusitano do famosíssimo António
Sardinha que chegou a defender que éramos uma «raça» diferente da dos
espanhóis!! Também havia os monárquicos do Paiva Couceiro, um grande militar
que falhou todos os golpes em que se meteu. O último, antes de ser desterrado
para os Açores fê-lo com Rolão Preto que se safou para Espanha. A PVDE chamava
à ideologia NS de «comunismo branco».
António Costa Pinto, afirma em toda a sua obra que se
tratava de uma rivalidade furiosa entre os fascistas da NS e do conservador
autoritário, Salazar, que, entretanto, se travestiu de Ditador nos anos
anteriores e que agora, com o apoio da Igreja insultada com os estatutos do
Nacional-Sindicalismo que preconizava um futuro governo revolucionário
nacionalista com «ateus e católicos» entre outros. «Balha-nos Deus!», se teria transformado outra vez em conservador mais cauto, mesmo com as instituições de cariz fascista.
A rede de influência de Rolão Preto não era de desdenhar e
Salazar foi-se a eles com a UN e a possibilidade de quem se increvesse ter um
empregozito. Foi, pois, a primeira cisão. A segunda deu-se quando de dentro do
NS houve quem propusesse a integração plena no salazarismo, não na UN que era
para os parolos e pessoal da administração local. Quem propôs? Nada mais do que
o «Grupo dos lentes», de Coimbra, claro está. Chegaram a sondar Cabral Moncada
para o Chefe, substituindo o bigodinho hitleriano de Preto. Até 1938 os
arruaceiros e violentos NS definharam com os fiéis Dutra Faria, Barradas d’Oliveira,
António Ferro, Manuel Múrias e outros que entretanto se passaram
individualmente para o Estado Novo. Salazar, contudo, enquanto prendia e
desterrava alguns da elite da NS (ACP
fica horrorizado quando não consta no «Livro Negro da Fascismo» os nomes da
elite que então foram presos) como Alberto de Monsarraz que penou um único dia
na prisão, enquanto outros sofriam horrores de duas semanas encarcerados.
Agora, destruídos os inimigos de Salazar e chamados ao
«conservadorismo autoritário» foi criada a AEV (Ação de Estudantes Vanguarda)
que teve vida efémera tal a quantidade de ex-NS que lá andavam à pancada
principalmente com a FJCP, organização de juventude do PCP, e com os
anarco-sindicalistas que, pelo que li deram mais porrada do que receberam.
Aliás, o episódio da pancadaria de Coimbra em que 300 camisas azuis marcharam
com estandartes pela Baixa, fez vários feridos entre os NS e o resto teve de
refugiar-se no Hotel Avenida. Já os tiros que foram disparados contra o comboio
que os levava a Braga para comemorarem o 28 de Maio foi reivindicado pela FJCP
enquanto ferroviários anarco-sindicalistas tentaram descarrilar o comboio. A
chegada a Braga foi um balbúrrio de chapadaria com mais feridos por parte dos
«pretistas».
António Ferro, como se sabe, tornou-se o ministro da Propaganda
de Salazar e por ele foram criadas as estruturas corporativas do Estado Novo e
as organizações totalitárias de enquadramento da população como a Mocidade
Portuguesa, a Legião Portuguesa (plena de lumpen dos NS), as Casas do Povo e
festa, muita festa... e muitas prisões, torturas e mortes por parte da polícia
política. Em nome do conservadorismo autoritário do Chefe (Quem manda? Salazar,
Salazar, Salazar!). «Não se discute Deus, A Família e a Pátria». A Autoridade
vinha a seguir a estas palavras do discurso, mas não vingou na História. Isto
não é fascismo, quiçá, baseado no mussolinismo que Salazar nunca condenou?
Nos anos 90 era assim: devemos a António Costa Pinto, a Rui
Ramos e a um tal Filipe Menezes, o revisionismo histórico de não chamarem de
fascista a quem o foi. Ao menos conservem o respeito que têm pelo homem,
caramba! Mas em relação a «Os camisas Azuis e Salazar» lê-se um pouco demais para um livro de estudo «será
necessário, no futuro, uma investigação mais profunda» em quase todos os capítulos.
E os acrónimos, Dr.? Nós não somos bruxos, que eu saiba. Se não começo a
inventá-los, para meu prazer. A revisão do livro é muito má.
António Luís Catarino
Dezembro, 13 de dezembro de 2019