Depois de ler um autor revisionista da história do Estado
Novo imposto pela Ditadura Militar em 1926, depois Ditadura Nacional já com
Salazar ministro com plenos poderes e após a Constituição orgânica e
corporativa do Estado Novo, em 1933, sendo Salazar presidente do conselho,
tenho para mim que o que fiz melhor foi pegar e ler rapidamente o livro de Fernando Rosas «Salazar e os Fascistas». Poderia ter sido outro. Mas este é um
livro que deveria ser de leitura obrigatória no Ensino Secundário. Aliás, não
entendo como nas disciplinas de Português, Literatura, Inglês, Francês ou
Espanhol e Alemão há livros de leitura obrigatória e/ou recomendada e não
existem para a História, Filosofia, Física e Química, Artes e Design, etc.
Sinceramente, custa-me a entender.
Fernando Rosas
(FR) inicia o estudo a elencar as lutas revolucionárias da esquerda logo após a
Revolução de Outubro de 1917, todas
votadas ao fracasso: em janeiro de 1918,
guerra civil na Finlândia, novembro
de 1918, revolução conselhista na Alemanha;
Greve geral em Portugal e na Suíça; Em 1919: em janeiro insurreição
spartakista de Berlim (10 dias);
março: nova greve spartakista em Berlim;
Comuna da Hungria,com Bèla Kun (4
meses); abril: insurreição comunista na Áustria
(1 semana) e República dos Conselhos em Munique
(Baviera); junho, segunda insurreição na Áustria; julho: República dos Conselhos na Eslováquia. Ainda no ano de 1919 greves significativas na Catalunha (com ocupações de fábricas e
terras), ofensiva grevista que durou até 1920 em Portugal, greves rurais e industriais com ocupações no Norte de Itália e agitação social aguda
em França. 1921, tentativa de greve
geral na Roménia e mais uma
insurreição na Alemanha, agora em Bremen.
1923: insurreição comunista na Bulgária
e no Saxe e Turíngia, na Alemanha.
1926: greve geral na Inglaterra e em
1927, choques armados contínuos em Viena
de Áustria entre socialistas radicais e polícia com um rasto de 189 mortos.
É possível que todas estas revoltas fracassadas tenham sido
da responsabilidade da Internacional
Comunista (IC) com a sua visão rígida de exportar a revolução socialista
para todo o mundo. Sabe-se, por exemplo, que Zinoviev esteve poucos dias antes
na Alemanha a preparar a insurreição e que Rosa Luxemburgo não concordou que
houvesse condições objetivas para a desencadear, mas, ainda assim tendo
participado nela, o que lhe custou a vida e a Karl Liebneckt da Liga Spartakista. Houve de facto
influência nalguns casos, mas a proliferação em toda a Europa em países onde
nem sequer havia delegados da IC leva Fernando Rosas a considerar que os operários
e trabalhadores se encontravam numa situação precária quer de condições de
vida, quer de repressão ativa a qualquer ação associativa, sindical ou política
por parte do demo-liberalismo republicano ou monárquico-constitucional. O que se
passou na Rússia em 17 terá aumentado o otimismo no seio dos operários e
ousarem a insurreições preparativas de revoluções. Depois, recuaram numa
atitude defensiva, decapitadas que estavam as suas direções.
Se quisermos ver, cronologicamente, a derrota sangrenta (muitos
milhares de mortos, deportados, presos e torturados) na repressão a estes
acontecimentos, veremos que se dão antes
da ascensão dos movimentos fascistas. Não durante, embora houvesse tentativas de combater o fascismo
tranformadas em arruaças e manifestações sem grandes consequências. Portanto, o
movimento fascista é epocal e tem traços comuns embora divirjam aqui e ali nos
seus objetivos e propósitos, assim como no modo de ação com vista a tomar o
poder. Excetuando a Itália que, em 1922, entregou o poder a Mussolini, o
combate por este foi mais tarde. As
«leis fascistíssimas» datam de 1928. A época do totalitarismo ronda aos finais
dos anos 20, princípios dos 30. O fascismo aliou-se claramente às direitas:
integralistas, nacionalistas conservadoras, patronais, tradicionalistas,
cristãs ou plebeias e foi dessa fusão, em que não está isento a extinção de movimentos
internos «inconvenientes» que o fascismo se reforça. Nunca foi sozinho para o
poder. Foi-o acompanhado e afastando sem qualquer rebuço os seus inimigos
internos e externos, pretendendo confederar num partido único submetido ao
Estado totalitário, regido por um chefe, um fuhrer, um capo, um conductore ou
um duce.
Ou seja, o fascismo não chegou ao poder devido às
insurreições fracassadas. A esquerda
operária e trabalhista já estava derrotada antes pela social-democracia e
socialismo reformista que a viam como inimigo a abater. Foi relativamente
fácil aos fascistas e aos nazis derrotarem, agora, os democratas já em
decadência.
E aqui Fernando Rosas
avisa-nos para as taxonomias que limitam
a definição de fascismo. Ora uns são autoritários, outros são conservadores
católicos, outros tradicionalistas monárquicos, e por aí fora. Se formos
utilizar este processo de negação, ou seja, se riscamos destes regimes um só
item que classificamos como «fascista» poderemos chegar à conclusão óbvia que
só há um: o nazismo antissemita! Os regimes fascistas apresentam diferenças
óbvias produzidas pelas condições de acesso ao poder. Não encontramos milícias em todos, nem
sistemas corporativos (aliás, também os houve no demo-liberalismo),
tradicionalistas ou católicos, com constituições ou sem elas (Hitler, por
exemplo, nunca revogou a constituição de Weimar de 1919. Não necessitava dela
para nada!).
Sublinha Fernando Rosas que é esta diversidade que confere exatamente a identidade comum aos regimes
fascistas. Não a identificação rígida de cada um como um «caso» externo à
extrema-direita.
Pensemos nas vítimas e na política de extermínio lavada a
cabo pelos regimes fascistas e nazis, principalmente na Alemanha. Fernando
Rosas dá-nos uma visão interessante: a
prática do extermínio já vinha de antes do nazismo sem que se tenha
levantado um dedo. Vinha dos impérios e
das políticas coloniais levadas a cabo, nos finais do século XIX e antes,
pelas potências ocidentais. Fernando Rosas lembra-nos, num quadro, em que
consistiu esse extermínio tomado como normal nas mentes das elites e populares
do ocidente: Sri Lanka, 4 a 10
milhões de pessoas, em 1920 era somente de 1 milhão; Argélia: 3 milhões de pessoas entre 1830 e 70, depois da
colonização, 2,3 milhões; Congo: 20
milhões entre 1820 e 1920, no século XX 10 milhões; Costa do Marfim, entre 1900 e 1910 passou de 1,5 milhões para 160
mil pessoas; Sudão: de 9 milhões
entre 1882 e 1903 passou para 273 mil. São números brutais. É fácil perceber
que, cultural e politicamente, a população europeia e ocidental, no seu
conjunto, transporia com alguma
facilidade esta ação de extermínio nas colónias para os «diferentes» judeus,
negros, ciganos, homossexuais, doentes mentais e físicos na Europa, juntando os
opositores políticos elevados a associais.
Diz Fernando Rosas: «O Estado Novo configurou um fascismo
conservador, resultante da unificação das direitas autoritárias e antiliberais e
das direitas liberais civis e militares, rendidas à fascistização progressiva
desse campo político e ideológico que integra subordinadamente o pujante
movimento fascista plebeu dos ‘’camisas azuis´´, expurgando este das suas
lideranças críticas do «conservadorismo» salazarista. Essa unificação e
homogeneização realiza-se em torno da particular e indiscutível chefia
carismática de Oliveira Salazar, no quadro de uma ''ditadura de chefe de Governo'' que constrói um regime nacionalista, corporativo, antidemocrático, policial, de
características essencialmente fascistas».
O capítulo V «Os
desafios do presente» é obrigatório ler. O tom um pouco pessimista de
Fernando Rosas perante a vaga de populismos de direita que aí vêm é exposta sob
o ponto de vista económico, social e político da época atual em que a esquerda está nitidamente na
defensiva, apesar das enormes manifestações que se podem verificar em todo o
mundo. Saibamos aprender com a História.
António Luís Catarino
18 de dezembro de 2019