sábado, abril 28, 2018

Mixofobias - (Sobre a morte de Zygmunt Bauman) 4

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Zygmunt Bauman

Zygmunt Bauman morreu este ano. Sociólogo, fundador do conceito da «sociedade líquida» foi também ele um refugiado. Judeu antissionista, comunista desencantado, humanista crítico do Humanismo, criou uma forte descrença na sociedade consumista em que (sobre)vivemos. Lembra-nos, no seu «Amor Líquido», que em 1784, Kant já observava que o planeta Terra, sendo uma esfera (helàs!), obrigava-nos ao encontro bastando, para isso, movermo-nos. Segundo Bauman, o filósofo advertia-nos que, cedo ou tarde, não haveria um só espaço vazio a que nos apegar ou fugir. Quase dois séculos e meio após estas palavras e a aprovação da Declaração Dos Direitos do Homem e do Cidadão, o Iluminismo está em crise, moribundo, devido a essa mesma contradição nos termos: «do Homem E do Cidadão» como se um conceito pudesse divorciar-se do outro. Conquistaram-se «espaços vazios» e «interditos» em nome do Humanismo. A emergência da regra trinitária Estado/Nação/Território observada por Bauman, tornou o mundo num enorme «espaço incivil». Os refugiados (económicos, políticos ou de guerra) vêm daí, desse espaço de violência instalada e permanente. Quando nos chegam, cara a cara, encontramos as causas das mixofobias de Bauman: incapazes de assegurarem as suas diferenças, seguem rapidamente os costumes ocidentais, consumindo como tais, não dando oportunidade ao encontro real das diferenças culturais. As cidades tornam-se explosivas, por falta também da observância diferente do outro, da possibilidade da diversidade e vivência criadoras. O «nós» esvai-se, esbate-se. Por estranho que pareça, cresce um fenómeno paralelo às mixofobias – o das mixofilias, que carece da verdadeira construção de uma «comunidade de semelhança» assente na riqueza das diferenças. A violência contra os refugiados é um fenómeno dessas sociedades líquidas que rejeitam os resíduos. Bauman avisa-nos que já Carl Schimtt determinava a soberania de um Estado na distinção que ele faria entre um valor e um não-valor. Ora, um refugiado, um apátrida, não tem valor de troca, é um não-valor. Os «espaços interditos» tornaram-se agora as infames terras devastadas. Lévi-Strauss, nos seus «Tristes Trópicos», apresentava-nos formas alternativas das sociedades primitivas lidarem com o estrangeiro: uma, antropofágica, seria a de «comerem os estrangeiros até ao fim». A segunda, antropoémica, a de «vomitar os estrangeiros», recolhendo-os e expelindo-os para longe. As nossas sociedades líquidas adotaram as duas.

António Luís Catarino
1 de maio de 2017