quinta-feira, outubro 31, 2013

Um poema de Hugo Neto, em Segmento. Lançamento no sábado em Lisboa

Hugo Neto com o Sado ao fundo. 2013

Vista sobre a cidade

durante as obras de restauro da igreja

Subo à torre da igreja para ver a vista com as gárgulas,
sobre Lisboa.

Adolescente, várias vezes me fascinou a imagem de uma vaga
que afogasse outra vez este país.
Via corpos anónimos e destroços levados na corrente,
e enchia-se o espírito de um alívio amoral,
como se aquilo fosse o mar da pacificação.

Mas escolher a raiva contra o mundo seria a derrota,
seria alimentar-se do ódio até ao fim.
Deixa-se depois de culpar o exterior. Acata-se a evidência:
jamais confiar ao mundo a paz que nos couber.

Mas o adulto conservará o direito à amoralidade
na ferida íntima; sempre capaz da intolerância. Capaz de fugir
ou de morder a mão que lhe ensombra a comida,
ou de morder a mão que dá a comida, capaz de odiar
 e por um rasgo obscuro, por vingança, merecimento de paz,
vislumbrar a morte a quem lhe é querido.

– Num milhão de anos pouco restará da cidade de Lisboa.
De, Segmento, Deriva 2013 a editar no sábado às 19 horas. Bar Primeiro Andar, Rua da Porta de Santo Antão, 110, 1º andar, Lisboa