«Nessa época fui trabalhar para longe, um sítio urbano, mas
agreste. Não respirava nem ar de cidade nem de campo, a atmosfera era em mim um
peso abafado, de exalações entorpecidas a corroerem por dentro as divisões da
hospedaria, o meu quarto.» É a poética muito própria de Catarina Costa que
assim se exprime, sendo criada por estranhas linhas que se interceptam e cruzam
em cidades imaginadas, estruturas urbanas constituídas por centros e
arrabaldes, campos que sugerem proximidades contraditórias, que se relacionam
com vultos que agem e se movem num aparente caos, metáfora da modernidade.
Não deixa de ser notável que a autora consiga de um modo tão
eficaz ligar ruas, espaços, escadas, janelas,
soleiras, vultos esquivos que se movem à noite, envoltos em halos de
luz, mas com o aviso do tempo sempre presente, fustigado em cada criação
poética. Tempo e luz, acção e claridade apresentam-se quase sempre, na poesia
de Catarina Costa, como uma dialéctica necessária ao poema. Será por isso que
diz: «Os espaços, os objectos, o próprio horizonte estão dentro da nebulosidade
própria de uma época e só os reconhecemos pelo hábito de darmos forma ao que
nos rodeia.»
É com esse desassombro poético que as palavras de Catarina
Costa assumem, no papel, uma identidade tão própria, quase ao ponto da emoção,
quando, numa escultura formada de palavras se deixa envolver por possíveis
nostalgias: «Escrevia-te para que chegássemos a um acordo sobre o nada. E sem
que me respondesses eu continuava a escrever-te cartas e mais cartas porque,
tal como tu, também eu queria perceber o porquê de uma tão grande percentagem
de matéria negra.»
Cidade, tempo, linhas, palavras, luz, noite, gente, seriam
as chaves óbvias para acalmar o caos criado por Catarina Costa, mas que ninguém
certamente terá a ousadia de usar, porque esse contraponto seria a ordem, o fim
da poesia.
António Luís Catarino
Coimbra, 25 de Outubro de 2013