Quem for ver O Substituto com os padrões a que geralmente se está habituado no mundo fácil de Hollywood, ou mesmo do agora chamado de cinema «independente», não perceberá absolutamente nada do filme. Tal como os que irão vê-lo no mundo menos fácil, mas mais dicotómico, da Fenprof. Se forem lá para a catarse coletiva do «professor desgraçadinho» que trabalha e ninguém lhe liga, da «profissão desconsiderada», tirem o cavalinho da chuva. Esse discurso também lá aparece, mas dito por quem menos se espera: de um representante político que, em nome dos proprietários, exige melhores resultados na escola secundária, como modo de valorizar o bairro contíguo e assim aumentar as rendas.
Mas vamos ao que interessa. O filme nada tem a ver com a Escola. Ou melhor, também tem a ver com ela. Já que fomos vê-lo, saímos de lá com a sensação mais do que esquisita que nem um murro no estômago. Levámos foi um verdadeiro enxerto de porrada e ainda por cima quando estávamos já no chão, prostrados, sem defesa alguma. Somos todos não-pessoas. Passamos a vida a agredir-nos com 20 ou 30 vocábulos já estafados, mas sem que nos magoemos a sério, visto que não nos expressamos melhor para sermos, de facto, maus. Mas somos. Conseguimos ser perfeitamente maus ao ponto de sermos cínicos. Hitler ganhou e o realizador lembra-nos isso com imagens e vozes sobrepostas por cima de uma aula num universo concentracionário em que se tornou tudo o que nos rodeia. Não há conteúdos para ensinar. Não há leis, ou, as que existem, são para lembrar e reprimir-nos sem remédio ou piedade. Não há casas. Há celas onde nos movemos e tememos as supostas infrações individuais. Tudo é pago, tudo é privado. Tudo é mercado.
Assim, o substituto é-o, mas sem ter ninguém para substituir porque todos já ensandeceram. Consegue sobreviver pela escolha do limbo onde vive, porque é quase invisível. Resiste ao suicídio, mesmo que a sua mãe o tenha praticado e uma sua aluna o tenha avisado dessa possibilidade que concretiza. Os velhos e os jovens, os demasiado jovens, já não interessam à sociedade, ao mercado. Portanto soçobram pela doença mental.
Na Escola não há conteúdos para ensinar. Aliás, a única atividade proposta a alunos ausentes por este substituto de professores continuamente doentes é só uma: imaginem-se no vosso próprio funeral e escrevam o vosso discurso pos-mortem.