Da esquerda para a direita: António Luís Catarino (Deriva Editores), José Luís Carneiro, secretário de estado das Comunidades Portuguesas, Bruno Monteiro, Prof. José Madureira Pinto e João Queirós.
5 de Dezembro, sala 201 da FLUP inserido no Projecto:
«Dinâmicas recentes dos movimentos migratórios no noroeste português: o caso
dos trabalhadores da construção civil». Apresentação de «Trabalhos em Curso» de Bruno Monteiro e João Queirós.
A Deriva agradece o convite formulado para estar presente
neste projecto que revela claramente a relevância, actualidade e seriedade com
que o Instituto de Sociologia e a FLUP mostram ter. Neste campo em particular e no
caso da edição de «Trabalhos em Curso – Etnografia de operários portugueses da
construção civil em Espanha», a Deriva agradece aos autores João Queirós e ao
incansável Bruno Monteiro cujo trabalho se tem vindo a revelar de uma
importância fundamental no que à sociologia, e não só, diz respeito. Para além
destes autores, os agradecimentos estendem-se aos colaboradores desta
publicação como Jorge Arroteia, Lorenzo López Trigal e a jornalista e escritora
Ana Cristina Pereira.
A parceria Deriva Editores, uma editora independente do
Porto, com a edição portuguesa do Le Monde Diplomatique mais uma vez se mostrou
um êxito, pela divulgação muito mais abrangente, em todo o país, desta mesma
publicação, mas também porque a independência da Editora e talvez o seu
carácter alternativo não nos permite ser neutrais perante as injustiças e as
desigualdades. A linha está, pois, marcada nos tempos interessantes (como diria
Hobsbawm), mas perigosos, em que vivemos.
Contam-se, nesta colecção que mantemos com o LMD, três
livros, quatro com este, que se relacionam com a identidade operária o que
significa, segundo a minha leitura, que esta é, e tudo indica que continuará a
ser, objecto de estudo académico. Neste caso em particular, «Trabalhos em
Curso» debruça-se sobre a emigração de operários portugueses para o Estado
Espanhol e mais concretamente para a Galiza e zonas fronteiriças do país
vizinho.
Mas este trabalho excelentemente apresentado fez-me procurar
outros dados e factos que levaram a classe operária a emigrar, uma constante de
ciclos longos com poucas variáveis. Para além de um século XIX, onde o
liberalismo mais selvagem foi vitorioso com o seu rasto de miséria criminosa
para a classe operária, as migrações internas, em quase toda a Europa, foram
quase a única alternativa para a sua sobrevivência. Assim, era este enxame de
camponeses despojados das terras que exigia a concentração agrícola e que
suportava a revolução industrial que se proletarizou nas minas, nas indústrias
têxteis, na construção civil, no comércio ou no serviço doméstico. A classe
operária nascente era sujeita a todos os abusos, desde o trabalho infantil, à
sobre-exploração do trabalho feminino e à retirada de todos os direitos
políticos aos trabalhadores.
As crises económicas cíclicas, cujas consequências
desastrosas para os mais fracos, mas justificada pela mão invisível do
liberalismo, obrigava a mais emigrações maciças agora para países como os
Estados Unidos, a Argentina, o Brasil ou para os diversos domínios coloniais do
imperialismo europeu. Os portugueses não estavam ausentes destes grandes
movimentos migratórios. Julgam-se que foram 20 milhões de europeus que desde
1884 a 1914 se deslocaram, tendo a emigração portuguesa aumentado
sistematicamente pelo menos até ao ano de 1900. No século XX, em quase todo o
século XX, a emigração portuguesa foi uma realidade, dizem os diversos estudos.
A fome e a pobreza grassavam em Portugal, quer nos anos da República que virou
as costas às reivindicações operárias e uma das causas da sua decadência
precoce, quer nos anos da guerra que entre 1916 e 1918 levou para a matança dos
imperialismos dezenas de milhar de operários e camponeses portugueses em La Lys. Depois,
sabemos demasiado bem a que levou a ditadura salazarista no que a este campo
diz respeito. Levados a uma austeridade e pobrezas absurdas e vendendo a
«alegria no trabalho» decalcado do mussolinista «Doppo Lavoro», obrigados ao
respeitinho, às humilhações contínuas, à falta de liberdade, às Casas do Povo e
aos sindicados nacionais, à Sopa dos Pobres e ao medo instituído pela repressão
e à guerra colonial, foi evidente o impulso migratório de sucessivas levas de
portugueses em quase todo o século passado realçando-se a explosão de emigração
clandestina e «legal» na década de 60, só diminuindo significativamente nos anos
70, exactamente quando houve melhores condições de vida, ganhos no PREC.
Hoje, «Trabalhos em Curso» leva-nos a uma nova perspectiva
sobre a emigração portuguesa. Ao discurso oficial da emigração «talvez a mais
qualificada» que tivemos para os países europeus, contrapõe-se a emigração de
operários portugueses principalmente para Espanha. No conjunto, entre 2002 e
2008, e apresentado por João Queirós, na Tabela 1, são 135 mil os residentes de
trabalhadores portugueses registados em que o sector da agricultura, da
construção e da indústria supera, em muito, o sector dos serviços.
Mais uma vez, Portugal assiste, não sem alguns falsos
argumentos aduzidos por más consciências políticas, a um processo de exportação
de trabalho barato que produz a rarefacção da classe operária e ao declínio da
acção política reivindicativa, de uma crise de reforço sindical e igualmente de
uma ténue consciência de classe. O processo de recuperação neoliberal que se
está a verificar desde a crise de 2008, ou muito antes, se quisermos relembrar
os anos 80 nos EUA e Grã-Bretanha, passa
por uma deslocalização das empresas multinacionais, por despedimentos em massa,
pela chamada «flexibilização das leis laborais» e pela desmontagem das
indústrias tradicionais através da robotização, sem que tudo isto seja
acompanhado pela atribuição de novos direitos que apontem para vivências mais
democráticas, fruto, em grande parte, senão na sua maior parte, pela luta
secular dos operários e fundamentais para uma vida digna de que estamos ainda a
usufruir. Lembremos que o movimento operário mundial foi portador de uma
modernidade e de iniciativas de liberdade ímpares e que lhe devemos os juros
dessa luta. É evidente que também levaram com as ilusões perdidas em utopias e
em revoluções fracassadas, mas nunca poderemos negar os direitos que fomos
adquirindo por essas lutas feitas a ferro e fogo. Daí, a importância do
conhecimento das lutas operárias e do seu estudo contínuo e do valor do
trabalho como parte de uma sociedade que se quer solidária.
Neste «Trabalhos em Curso» a existência de uma vida virada
para a sobrevivência ou para sobrevida do quotidiano dos operários emigrantes
não está só espelhada pelas entrevistas do Bruno ou de Ana Cristina Pereira. A
pobre sobrevivência dos operários emigrantes está bem viva num simples quadro
no artigo de Bruno Monteiro, na página 146 do livro. Chama-se «Entre cá e lá».
Diz, infelizmente, tudo sobre a afronta a que estes homens estão sujeitos. Uma
vida contada euro a euro, à espera de boleias em estradas perigosas, em mediáticos acidentes de trabalho, em
condições de habitabilidade improváveis, em horas de trabalho sem fim. Creio
sinceramente que o silêncio sobre este estado de coisas é tão criminoso como a
acção das redes mafiosas que manobram às claras. Este livro é, por isso,
fundamental.
O meu obrigado a todos.
António Luís Catarino. 5 de Dezembro
de 2016