Na época da unidade capital /
poder a crise era simplesmente um elo
fraco da cadeia, que o proletariado podia aproveitar. De outro modo, a crise significaria um momento positivo
na recomposição do capital. Na época global e com a co-pertença capital /
poder, o próprio conceito de crise entra directamente em crise. Em grego, a
palavra crise significa: corte, luta, decisão inclusivamente. De origem médica,
a sua aplicação estender-se-á aos campos mais diversos. Apesar de todas as suas
migrações, o significado médico de
«passagem para…» (entendendo-se por isso uma melhoria ou uma pioria)
manter-se-á. Hoje, esta ideia de crise como «passagem para…» já não nos serve.
É uma ideia demasiado devedora à modernidade. Não foi em vão que a própria
modernidade se olhou a si mesma como crise — contingência, conflitualidade,
excepção —, devido ao cataclismo da ordem tradicional. Na época global em que nos
encontramos, já não é adequado falar de crise. Na actualidade, não existe
propriamente uma crise, mas sim uma constante «fuga para a frente» que adopta a
forma de uma crise permanente, ou de guerra. «Fuga para a frente» significa, em
primeiro lugar que as alternativas foram deixadas para trás, em especial a
ideia moderna de revolução. «Fuga para a
frente» significa, em segundo lugar, que
não há futuro. A busca ansiosa de futuro, inerente ao extravasamento do capital comporta o paradoxo de uma radical
ausência de futuro. Neste sentido, a «fuga para a frente» contém toda a fenomenologia
do extravasamento do capital. in
Mobilização Global seguida de O Estado-Guerra, Santiago López-Petit (trad. e notas de Rui Pereira), Deriva.