Tradução e nota de leitura: Pedro Eiras e Rosa Maria Martelo
Elíptico, extremamente condensado, interrogando tudo quanto poderia
distinguir a poesia dos usos comuns da linguagem, o texto de Crise de
Versos é, ao mesmo tempo, um diagnóstico e uma profecia. Por um lado,
procura surpreender a dissolução de versos tradicionais, em particular
do alexandrino (o verso oficial por excelência), ao longo da segunda
metade do século XIX e sobretudo após a morte de Victor Hugo.
Diagnóstico difícil de uma experimentação formal então ainda em curso: o
que nos surge hoje como conquista definitiva e já distante (em termos
de livre invenção de metros, cesuras, formas gráficas) era no tempo de
Mallarmé um acontecimento recente, plural, a necessitar com urgência de
teorização. Por outro lado, Crise de Versos antecipa as poéticas dos
modernismos e das primeiras vanguardas, ao enfatizar a produtividade da
tensão entre a busca de um princípio construtivo, que asseguraria a
impessoalidade, e a dissolução das formas canónicas.