terça-feira, julho 07, 2009

Luís Mourão escreve sobre Um Punhado de Terra de Pedro Eiras



Começo pela nota final, porque ela dá com grande economia de meios uma descrição fiel deste projecto:
Praticamente todos os factos que descrevo neste monólogo são verídicos; junto-os, mesmo se não aconteceram todos no mesmo século. Encontrei-os em diversos lugares — em Gomes Eanes de Zurara, em Bartolomeu de las Casas, no International Slavery Museum of Liverpool — mas um livro corajoso, organizado por Ana Barradas, serviu-me de fonte principal: Ministros da Noite. Livro Negro da expansão portuguesa (Antígona, 1992).Um monólogo pede um trabalho de ritmos, texturas, um fluxo de ideias e imagens. Sem sacrificar essas regras, e sem esquecer a exigência ética que em primeiro lugar me levou a escrever, procurei que este texto fosse o mais próximo possível dos factos registados. Apresentar os ecos que sobreviveram até nós e ser o menos possível — ou mesmo nada — enquanto dramaturgo.Afastemos o primeiro perigo de um projecto deste tipo: as boas intenções, a exigência ética, não impedem aqui o pleno conseguimento estilístico da obra. Um punhado de terra é um monólogo de uma qualidade sem par na nossa dramaturgia mais recente. O trabalho de ritmos e texturas cria um ambiente de queixume poético que acentua a crueldade das histórias, cuja arquitectura se ancora num fluxo de ideias e imagens rigorosamente controlado. O que quer que Pedro Eiras possa teoricamente pensar acerca de o ser “nada dramaturgo” permitir uma maior fidelidade aos “ecos que sobreviveram até nós”, Um punhado de terra desmente: é precisamente pela qualidade do trabalho dramatúrgico que essa fidelidade aparece e apaga o que de ostensivamente literário pode existir nas técnicas próprias do monólogo.
a seguir
Luís Mourão
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