Começo pela nota final, porque ela dá com grande economia de meios uma descrição fiel deste projecto:
Praticamente todos os factos que descrevo neste monólogo são verídicos; junto-os, mesmo se não aconteceram todos no mesmo século. Encontrei-os em diversos lugares — em Gomes Eanes de Zurara, em Bartolomeu de las Casas, no International Slavery Museum of Liverpool — mas um livro corajoso, organizado por Ana Barradas, serviu-me de fonte principal: Ministros da Noite. Livro Negro da expansão portuguesa (Antígona, 1992).Um monólogo pede um trabalho de ritmos, texturas, um fluxo de ideias e imagens. Sem sacrificar essas regras, e sem esquecer a exigência ética que em primeiro lugar me levou a escrever, procurei que este texto fosse o mais próximo possível dos factos registados. Apresentar os ecos que sobreviveram até nós e ser o menos possível — ou mesmo nada — enquanto dramaturgo.Afastemos o primeiro perigo de um projecto deste tipo: as boas intenções, a exigência ética, não impedem aqui o pleno conseguimento estilístico da obra. Um punhado de terra é um monólogo de uma qualidade sem par na nossa dramaturgia mais recente. O trabalho de ritmos e texturas cria um ambiente de queixume poético que acentua a crueldade das histórias, cuja arquitectura se ancora num fluxo de ideias e imagens rigorosamente controlado. O que quer que Pedro Eiras possa teoricamente pensar acerca de o ser “nada dramaturgo” permitir uma maior fidelidade aos “ecos que sobreviveram até nós”, Um punhado de terra desmente: é precisamente pela qualidade do trabalho dramatúrgico que essa fidelidade aparece e apaga o que de ostensivamente literário pode existir nas técnicas próprias do monólogo.
a seguir
Luís Mourão
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