Este livro foi-me antipático no início. Nessa ocasião afastei-me dele, digamos, com o ruído possível para um facebook que está na sua grande maioria de costas voltadas para os livros. Voltei a ele desde o início e fui reparando nos seus inúmeros alter ego que constroem a narrativa. Parece-me que o que me levou à expulsão imediata do livro de Houellebecq foi a personagem inicial de um Daniel «humorista» que procurava o seu primeiro milhão de euros através de piadas sobre as palestinianas, sobre as mulheres, os homossexuais, sobre o suicídio do seu próprio filho ou a tristíssima frase «lambe-me a faixa de Gaza». Mas conseguiu o seu milhão depois multiplicado por muitos, mais tarde quando entra no cinema porno de choque e ainda por cima com laivos políticos contra árabes, negros, jovens e mulheres. Às vezes não aguentamos, o leitor ainda não é um tipo anódino, inócuo aos sentimentos (a sua aniquilação é um objetivo do neoliberalismo autoritário).
Provavelmente, fui impulsivo na minha reação às primeiras páginas. Mas um bom livro provoca-nos. Houellebecq pode não ser nada disso. Pode não ser (não é) um Céline ou um Pound. Politicamente não é um maurrasiano, nem lepenista. Não é decididamente um fascista. Odeia a guerra. Compreendi melhor o que pretende (e já não é o primeiro livro que leio dele): é provável que exija exasperadamente um regresso à humanidade (não ao humanismo!) ao que ela tem de mais positivo nas relações sociais pré-industriais. O escritor é contraditório? Sim, também é. Mas e então? A sua vida, aquela que ele expõe publicamente, é constituída por um consumo obsessivo por produtos exclusivamente agro-industriais? Pela mesma marca de bacon ou de presunto e vinho da mesma marca; pelas mesmas parkas verdes e calças castanhas? Por botas Timberland? Que temos nós com isso? Vista o que quiser, mas este «A possibilidade de uma ilha» é um livro de amor. Nunca verdadeiramente atingido, mas de procura incessante de amor e de liberdade. Não vos conto mais, porque lhe devo isso devido à minha primeira reacção. Seria, talvez, mais honesto colocar aqui trechos que ilustrassem o que digo aqui e em contradição com a minha primeira crítica a Michel Houellebecq. Mas há uma que não posso deixar de vos lembrar: a procura da imortalidade e o seu êxito (o tema central do livro num planeta destruído por guerras inter-humanas) por induções genéticas pode ser uma possibilidade não tão longínqua como isso. Pouco importa, nem valeria a pena introduzir essa questão já que o livro o faz com propriedade e com bases científicas plausíveis, mas o corpo procura o desejo sexual. O fim da vida, mesmo com a imortalidade ali mesmo e disponível para os mais ricos vem quando já procuramos «desejar o desejo». Aí, já morremos, sem que se saiba bem como. Um livro que vos recomendo, mesmo em contraciclo.