sábado, março 11, 2023

«Breve História Mundial da Esquerda», Shlomo Sand

 

Zigurate, 2023. Tradução de Carlos Vaz Marques
Pode dizer-se que a leitura deste livro provoca um longo bocejo. Nada de novo no ar e a breve, não tão breve assim, descrição do que já todos sabemos é salteado, de vez em quando, com um azedume à esquerda impossível de o esconder. Aliás, para alimentar alguma confusão não há só uma página do livro em que não apareçam os termos «liberal», «liberais» ou «liberalismo», e isto não sendo inocente é associado a termos como «liberal de esquerda», «liberalismo esquerdista», «socialista liberal», «liberalização comunista», etc.,etc. Que o homem se tenha arrependido, mais tarde, em 1956, com a invasão da Hungria pelas tropas do Pacto de Varsóvia, que o pai o tenha inscrito nas Juventudes comunistas israelitas quando ainda era um jovem e sem estar sequer convicto, compreende-se. Mas tão tarde, caramba? É como o Carlos III chorar aos 50 anos que se casou com a Diana porque o pai o obrigou! Ou como os camaradas dos PC's descobrirem, em 1991 e ainda nos anos seguintes, que a URSS vivia uma ditadura!
Quando este autor não quer aclarar uma posição «sua» afirma solenemente que o fenómeno ainda não foi estudado suficientemente (por outros); assim se passa com a adesão dos jovens ao maoísmo na Europa, ou com o feminismo, ou com os jovens machos do Maio de 68 que eram servidos com café antes das manifestações ou durante as reuniões pelas suas colegas que exigiam libertação sexual. E que a conseguiam mas após servirem o café, confundindo liberdade sexual com assédio, balha-me nosso senhor! (página 221). 
Mas a «breve» descrição da esquerda mundial (não vai por menos!) tem alguns constrangimentos como, por exemplo, tentar defender que as ditaduras do Chile e da Argentina e as demais sul-americanas não se podem confundir com o fascismo ou nazismo por terem economias liberais, portanto prósperas. Tal como as de Salazar e Franco, retomando a sempre e estafada tese do conservadorismo católico de direita. Matar ou não matar fica para a esquerda que, segundo o senhor Sand, é sedenta de sangue e totalitarismo, mesmo que as descrições que faz dos massacres de militantes de esquerda em todo o mundo ocidental e colónias a ele adstritas provem exatamente o contrário. Foram aos milhões os revolucionários massacrados nos anos 50, 60 e 70 desde a Indonésia, Filipinas, Iraque ou no Paquistão. 
Quanto aos anarquistas, Shlomo Sand apresenta-se mais paternalista. Eram utópicos, antiautoritários, antimarxistas e, claro, defendiam sociedades «liberais». Não sei onde ele foi buscar isto de ver anarquistas liberais (talvez nos EUA, mas na Europa do século XIX?), mas acredito que tenha as suas fontes fidedignas. Sobre os anarquistas apresenta teses tão pobres que até mete dó. As omissões são imensas. 
Já com o nazismo ou o fascismo o seu capítulo «Camisas Negras ou Castanhas: direita ou esquerda?» diz tudo. Pela pergunta assim formulada escuso de falar muito mais sobre as suas conclusões.
Quanto a Lenine, quando chega da Finlândia a Moscovo, em 1917, e defende as suas Teses de Abril (sem que ele as denomine assim e faltem algumas dessas teses), diz que os princípios «Paz, Terra e Pão» foram «diabolicamente» eficazes. Diabolicamente a «Paz, Terra e Pão»? Outra questão é a de saber que palavra de ordem de Lenine foi esta «Todo o poder liberal aos Sovietes!» (página 126)? Como disse ao princípio deste texto, em cada página há a palavra «liberal», mas colocá-la assim junto aos sovietes? Mais outro «balha-me deus»! É isso e colocar o epíteto de «anarco-reformista» a Gandhi. Há limites para tudo, mesmo para a paciência de Gandhi.
Conclusões dos tempos que correm deixo-as para vós analisardes: «A aliança entre um poder político centralizador e uma economia de mercado, já experimentada com sucesso na Alemanha de Hitler, assumiu na China uma forma de simbiose original e surpreendente, desconhecida até então.» (pág. 160). E sobre a repressão e autoritarismo da Rússia de hoje vai desencantar  uma «ancestral tradição repressiva (dos czares)» tão relevante como o estalinismo, apontando o dedo aos historiadores que relevam para segundo plano o que ele em pouco tempo terá descoberto! Mais um dado não suficientemente aprofundado. Não fosse ele a avisar-nos!