Elsinore, Penguin Random House, 2024. Trad. Guilherme Pires
«- Deus não brinca aos dados com o Universo!»
«- Não seremos nós a dizer-Lhe o que deve fazer com ele!»
Este diálogo entre Einstein (a primeira afirmação) e Niels Bohr, após cinco dias exaustivos entre os melhores físicos do mundo, em Copenhaga, fixou uma das maiores polémicas entre - e desculpem o facilitismo de apôr rótulos em gente que não o merece de todo - os «deterministas» onde se encontrava Eisntein que viam o Universo a ser regido por leis únicas e os do «mecanicismo quântico» personalizado por Bohr, que defendiam um aparente caos de expansão e contracção contínua entre espaço e tempo. Pelo que se sabe ambos teriam razão, embora Eisntein tivesse pressentido que os cálculos quânticos estavam certos. Não deixa de ser sintomático que estes últimos o tivessem consultado sempre que apreentavam novos cálculos. Isto é, do que fiquei ciente ao ler este livro tão notável, quanto estranho é que se queremos conhecer as leis universais que nos regem devemos estudar o microcosmos, do átomo e dentro dele as suas partículas elementares. Este não é um livro só de física e de química, é a vida de toda uma panóplia de indivíduos cuja capacidade de abstracção ou de obsessão por uma ideia, seja ela intuitiva ou conclusiva sob os auspícios da matemática pura foi uma constante. Muitos foram levados à loucura, aos descrédito (embora cedo demais), à ostracização ou à autoreclusão. Ou à glória. No fundo é o espelho mais ou menos deformado da nossa vivência como seres humanos.
Este livro traça-nos percursos incríveis de vida de pessoas como Diesbach e Scheele que inventaram a fórmula do cianeto, ou o «ácido prússico» que serviu para o uso de pesticida nas laranjas da Califórnia, o Zicklon A, cujos vagões de comboio ficavam com um azul esplendoroso - o azul da Prússia, com que Van Gogh, por exemplo, deu basto uso nos seus quadros estrelados! Outro uso foi o de ter ajudado ao suicídio de milhares de nazis que, em 1945 e em ampolas escondidas, se fizeram cadáveres, não sem antes darem seguimento ao maior gaseamento da História sobre seres humanos depois da I Guerra Mundial, nos campos da morte, com o mais eficaz Zicklon B. Schwarzschild, morto em combate em 1915, que se correspondeu com Einstein a partir das trincheiras da frente oriental e que no meio do turbilhão das explosões resolveu equações complexas da «Teoria da Relatividade Geral». A uma certa altura, calou-se com a afirmação para um colega: «Chegámos ao ponto mais alto da Civilização. Só nos resta cair!». Pediu a esse matemático amigo para lhe destruir tudo e morreu na tarde seguinte. Histórias exemplares e extremamente inquietantes sobre autênticos génios que preferiram rasgar o que tinham feito durante largos anos, «...porque era bom que a Humanidade não soubesse.» Houve outros que cabe aqui referir pela sua singularidade (atenção que isto é um termo físico bem definido da Teoria Quântica) como Mochizuki que diz ter encontrado a resolução «impossível» da fórmula a+b=c e que rasgou tudo o que tinha feito até então e a descoberta do «coração do coração» da Matemática pura e que proibiu a publicação global dos seus trabalhos, como Grothendieck. Esse fugiu, autorecolheu-se nos Pirinéus e acabou com os seus brilhantes trabalhos. Preferiu isso a que a Humanidade soubesse onde tinha chegado. «Para bem dela, preferia assim!» Heinsenberg que contestou Schölinger e que acompanhou Bohr, porque aquele defendia que as partículas elementares do átomo tinham comportamenos semelhantes ao das ondas e não como as vemos em órbitas fixas em volta do núcleo. De Broglie que editou «Investigação sobre a Toeria Quântica» e cuja vida foi um poço de contradições e de fuga. Acabou igualmente por se recolher definitivamente É lógico que a destruição dos estudos e fuga ou reclusão não foi um conselho que Oppenheimer seguisse. Preferiu mostrar ao mundo as maravilhas da fissão sobre os humanos!
Pessoalmente, acredito que a astrofísica acabará por matar a poesia desde que se descobriu que somos feitos com o pó das estrelas e para lá voltamos. A Inteligência Artificial também o poderá fazer, mas adiante. Creio que em Portugal, Jorge de Sousa Braga já o pressentiu, dedicando os seus mais belos e últimos poemas ao universo. Mas gostava de me despedir deste livro com uma citação sobre Poesia e Física:
«(...) Foi exactamente isso que fez com Heisenberg [em conversa com Bohr]: durante os passeios nas montanhas, convenceu o jovem físico de que, quando se conversava sobre átomos, a linguagem utilizada tinha sempre de ser poética. Caminhando com Bohr, Heisenberg teve a sua primeira intuição da extrema alteridade do mundo sub-atómico: ''Se uma única partícula de pó contém biliões de átomos'', disse-lhe Bohr enquanto subiam pelos maciços da cordilheira Harz, ''como é possível que alguém se refira com propriedade a algo tão pequeno?'' O físico - como o poeta - não deveria descrever os factos do mundo, mas sim criar metáforas e relações mentais sobre a realidade. A partir desse Verão, Heisenberg compreendeu que aplicar conceitos de Física Clássica - como a posição, a velocidade e o momento - a uma partícula subatómica era um absoluto disparate. esse aspecto da natureza exigia um novo idioma.»
(pág. 160)