Fenda Edições, 2ª edição, 2005. (1ª, 1980). Tradução de Isabel Pedro dos Santos, Posfácio Stephen Wilson, Design de João Bicker
Ah, Camões! Se soubesses o interesse público e aeronáutico que há por ti nos teus 500 jovens aninhos! Antes de ir ao Jorge de Sena, aguentemos a desertificação com Ezra Pound.
Fui procurar esta edição de Ezra Pound, creio que sobre a responsabilidade de Stephen Wilson e de Vasco Santos, ambos habituais do Tropical e da noite da Clepsidra dos anos 80, que ainda por cima editaram um Ezra Pound que tinha alguns engulhos para com o estilo épico de «Os Lusíadas», isto bem exposto no seu «The Spirit of Romance» de 1910, imagine-se, ainda o fascismo era larvar e ainda não teria rebentado a I Guerra Mundial, sequer. Por aqui vivia-se na liberdade republicana, acabadinha de ser inaugurada. Ezra Pound preparava-se em palestras universitárias londrinas para ganhar a vida e fermentava-se nas ideias fascistas. Se não gostava do épico camoniano, menos, ao que diz, do Canto III relativo à senhora dona Inês de Castro, suficientemente lírico para ele gostar, encarava-o como um dos grandes. Segundo ele, era aí, no lírico, que residia toda a gloriosa poesia de Camões.
De qualquer modo, Pound, pela interpretação que se pode retirar de «Camões» não lhe é completamente hostil como o é para com Virgílio, Tasso, Spencer, Milton ou mesmo Homero da Ilíada (não da Odisseia, evidentemente), mas antes usa «Os Lusíadas» nas palestras, que editou depois em livro, para ressalvar as características do épico. Aliás, chega a dizer que Camões inaugura a forma épica da Antiguidade na era tardia do Renascimento, aproximando-o de Dante de quem era um devoto assumido. Para além disso, chama a atenção para a falta de musicalidade da nossa língua que Camões consegue ultrapassar, quer com a métrica quer por recursos vocabulares o que não deixa de ser uma contradição de Pound. E da efemeridade da nossa gloriosa pátria, bem exposta nas suas palavras por uma decadência já antiga e que os portugueses adoptaram como felicidade colectiva, até hoje, digo eu. Já a estafada diatribe da falta de filosofia de Camões é remetida para uma «retórica colorida». Pound engana-se: Camões não é um filósofo, é certo, mas podemos considerá-lo um grande, enorme, pensador. Comparando-o com Dante, Pound comete um erro (a que Wilson chama no posfácio de pouco científico) e cai na sua própria ratoeira: o seu «The Cantos» não conseguiu ser épico, muito menos lírico. E longe de qualquer preocupação filosófica, diga-se.
Diz Pound em «Camões»:
«''Os Lusíadas'' é melhor do que um romance histórico; dá-nos o tom do pensamento da época. (...) Camões sentiu a glória de Portugal como nenhum outro, mas esta glória foi efémera.»
«Camões escreve num estilo resplandecente e bombástico - que por vezes é poesia. A língua portuguesa, pouco musical, é subjugada, e os seus acordes dissonantes harmonizados. Como retórica colorida, ''Os Lusíadas'' dificilmente será ultrapassado, em minha opinião. O encanto deve-se ao vigor do autor, à sua unanimidade, à firme convicção da glória das coisas do mundo exterior - é há igualmente um certo prazer no contacto com o tipo de espírito de Camões, o espírito de um homem com suficiente entusiasmo para escrever um poema épico de dez Cantos sem nunca se deter em qualquer tipo de reflexão filosófica. Ele é o Rubens da poesia.»
Clarifica Stephen Wilson, no seu posfácio o seguinte:
«(...) Embora a definição desta tradição [Wilson refere-se à ''tradição épica''] seja drasticamente redutora, algo periférica e de certo modo bizarra, é importante, contudo, entendê-la bem como a atitude de Pound em relação a Camões, como sendo mais do que mera excentricidade , idiossincracia ou ignorância. Em termos simples e de algum modo grosseiros, as objecções de Pound a ''Os Lusíadas'' provêm do facto de ele considerar a obra como um poema que ''fala de História'' e nada mais; faltar-lhe-ia o ''carácter mágico da poesia'' e só teria ''o interesse da prosa''; seria, para utilizar a terminologia caracteristicamente pouco científica de Pound,''sem vida'', ''seco'' e ''aborrecido''. (...)» (pág.44)
Nota: sendo uma 2ª edição a Fenda poderia ter reparado nalgumas gralhas arreliadoras que persistiram desde a 1ª e corrigi-las. Não dava grande trabalho. Tiveram 25 anos para o fazer!