segunda-feira, junho 03, 2024

«Trilogia», Jon Fosse

 

Cavalo de Ferro, 2021. Trad. do norueguês de Liliete Martins
Pouco importa se é Nobel e como ouvi dizer com alguma propriedade, há muito tempo, por um amigo, «Para Nobel até escreve bem!» É o caso. «Trilogia», de Jon Fosse, tem um sub-título esclarecedor: «Vigília. Os Sonhos de Olav. Fadiga.» O tempo e o espaço alternam-se segundo uma narrativa tão bem construída como bela. Com uma pontuação «saramaguiana», se assim se pode dizer, ou não a utilizando de todo. não deixa de ter uma cadência firme que leva o leitor a imaginar as falas muito dramatizadas, quase teatrais, e os espaços visualmente críveis, quer se trate de um barco ao largo do mar da Noruega ou na entrada por entre fiordes, ou, ainda, a atracagem de um barco à vela numa cidade costeira. As casas de madeira e os seu interior são descritas em poucas palavras, mas que se revestem igualmente de um grande rigor visual. Este livro, esta «Trilogia» cheira a mar e sentimos o vento nórdico gelado nas nossas caras, para além da rudeza da terra e do gado que alimenta uma população norueguesa, no século XIX, marcada pelo protestantismo e, concomitantemente, pela ética do trabalho duro e honesto, pela culpa e castigo.

E é nesse caldo que cultura que jovens como Asle e Alida cometem crimes terríveis de que não sentem a mínima noção do mal. É aqui que reside toda a liberdade do livro. Eles cometem crimes para se apoderarem de bens materiais que os levariam a uma paz exigida por e para si próprios. Não se julgam, nem julgam, nem pedem perdão. Agem somente na ânsia de serem felizes. Se cometem os crimes é para atingirem esse desejo de amor, fosse ele o roubo de um barco, o assassinato de uma mulher e de uma idosa, ou de um velho. Para isso, usam subterfúgios e mudam quer de nome, quer de origem ou família de modo a não serem encontrados; a fuga torna-se constante, o mar e a estrada a sua morada contínua. Por fim «Fadiga», e Alida desiste após o desaparecimento de Asle (não cometerei aqui a indelicadeza de dizer como) e entrega-se, por cansaço, a uma nova realidade que, simultaneamente, a ameaça e a recolhe.

Mesmo muito bom.