sábado, abril 28, 2018

Raul Brandão (nos 150 anos do autor) 5


Imagem relacionada
Raul Brandão com a sua mulher, Maria Angelina

«A vida é um simulacro. Melhor: a vida é um simulacro.» Esta frase é de Raul Brandão, que se pode ler na sua obra extraordinária, Húmus. Faz, este ano, 150 anos do seu nascimento e 100 da publicação desta obra, razão mais que suficiente, em Portugal, para se multiplicarem os debates, colóquios, reedições e ensaios mais ou menos esdrúxulos. Mas não nos enganemos: Raul Brandão é ignorado olimpicamente por quase todos, incluindo leitores, críticos e a maior parte dos académicos. Não fossem estas datas «redondas» e o homem já não constaria sequer de uma nota de rodapé, para onde, desgraçadamente, remetemos os génios. Nascido em 1867 e falecido em 1930, podemos dizer que o leitmotiv de Brandão não se limita a saber da existência ou não de Deus, a relatividade do conceito do mal e do bem, ou o da liberdade dos instintos humanos oprimidos pelas instituições, os tais «muros» que deviam ser derrubados para se usufruir da plenitude da vida. Fortemente crítico da sociedade da sua época e das hipocrisias de uma burguesia finissecular, Raul Brandão era um libertário que convivia com os melhores do seu tempo como Teixeira de Pascoaes, Guerra Junqueiro, Gomes Leal ou Fialho. Mas consegue-se perceber que vivia na sombra, isolando-se literariamente. Chamam-lhe decadentista. Revoltava-se, contudo, com a sorte dos miseráveis, dos que nada tinham, esperando deles uma revolta social profunda. Em Húmus, ou no Pobre de Pedir, ou mesmo no prefácio belíssimo das suas Memórias, mostra uma profunda humanidade para os que sofrem. Raul Brandão persiste na existência da simulação da vida, no sem-sentido que ela nos apresenta em cada gesto quotidiano. Decadentista? Este autor singular viveu a queda lenta da monarquia constitucional, assistiu à ditadura de João Franco, aos gastos sumptuários da família real, ao vergonhoso Ultimatum inglês a Portugal, à bancarrota de 1891, à revolução republicana de 1910 e aos seus 48 governos em 16 anos e, ainda por cima, já doente, assiste ao advento do salazarismo, imposto pela Ditadura Militar. Decadente, depois disto tudo? Seríamos, hoje, todos assim, acreditem. «Um país de suicidas» como lhe chamou Unamuno. Mas, mais suicídio ou mais saudade, prefiro Brandão quando escreve no Húmus «O que eu quero é tornar a viver. A minha saudade é esta. O que eu quero é recomeçar a vida gota a gota, até nas pequenas coisas. Não reparei que vivia e agora é tarde. Sinto-me grotesco. Recomeçá-la nas tardes estonteadas da Primavera e na alegria do instinto.»

António Luís Catarino
15 de maio de 2017