sábado, abril 28, 2018

Los Angeles.pt 3


Angelus Novus, de Klee

Literalmente, Os Anjos. Mas PT é para poetas e pintores. Há semanas atrás vi, no Porto, uma retrospectiva da obra de Wim Wenders e o já épico Asas do Desejo. A minha introspecção involuntária e algo dolorosa que se verificou após o filme, levou-me a pensar naqueles anjos de longos cabelos e gabardines, belos e imortais, olhando os homens e as mulheres com a inveja da felicidade de sermos todos finitos. Pensei na presença de anjos nos maiores da poesia e arte mundiais. Em Wenders, os anjos hesitam entre a queda e o voo num mundo realmente invertido. Nunca saberemos a opção real daqueles anjos que nos estudam, atentos, numa biblioteca, tentando adivinhar o Outro, ou seja, nós próprios. Por alguma coisa, o realizador os colocou num ricto nostálgico enquanto deambulam por corredores cheios de livros. Sabemos também que Larkin, Mallarmé, Eliot, Yeats ou Whitman clamavam por anjos e Paula Rêgo os pintou com asas negras, particularmente maravilhosos e provocantes. Mas são os de Heiner Muller que, no seu Anjos do Desespero, nos perturbam. Diz Muller: «Atrás dele (do anjo) o passado dá à costa, acumula entulho sobre as asas e os ombros, um barulho como de tambores enterrados, enquanto à sua frente se acumula o futuro, esmagando-lhes os olhos, fazendo explodir como estrelas os globos oculares, transformando a palavra em mordaça sonora, estrangulando-o com o seu sopro. Durante algum tempo vê-se ainda o seu bater de asas…». O desespero em todo o seu fulgor. Mas é Paul Klee, que, num simples quadro de 1920, nos dá a visão mais abjeta do mundo e que leva Maria João Cantinho, uma escritora e ensaísta portuguesa, a interpretar o Angelus Novus do pintor (podem ver a imagem pela net) desta maneira: «Nessa imagem terrível, o Angelus Novus revê-se num mundo melancólico e triste, horrorizado pela sua visão, com um olhar alucinado perante esse horror e encontrando apenas diante de si, um monte de destroços, que quer reunir e «salvar», mas uma tempestade que sopra do paraíso prende-lhe as asas, arrastando-o, impedindo-o de realizar esse gesto» (in Anjo Melancólico, 2002). É esse olhar, essa impotência nas asas de um anjo que nos comove como seres humanos. E que melhor alegoria para o mundo de hoje, que esse olhar aterrorizado se reverta sobre nós, quando sabemos que esse mesmo quadro de Klee está em Jerusalém, do lado israelita, provavelmente «protegido» por metralhadoras e toda a panóplia de armas de guerra e de homens treinados para as utilizar. Para que o horror continue intacto.


António Luís Catarino
7 de abril de 2017