Zygmunt Bauman
Zygmunt Bauman morreu este ano. Sociólogo, fundador do
conceito da «sociedade líquida» foi também ele um refugiado. Judeu
antissionista, comunista desencantado, humanista crítico do Humanismo, criou
uma forte descrença na sociedade consumista em que (sobre)vivemos. Lembra-nos,
no seu «Amor Líquido», que em 1784, Kant já observava que o planeta Terra,
sendo uma esfera (helàs!), obrigava-nos
ao encontro bastando, para isso, movermo-nos. Segundo Bauman, o filósofo
advertia-nos que, cedo ou tarde, não haveria um só espaço vazio a que nos
apegar ou fugir. Quase dois séculos e meio após estas palavras e a aprovação da
Declaração Dos Direitos do Homem e do Cidadão, o Iluminismo está em crise,
moribundo, devido a essa mesma contradição nos termos: «do Homem E do Cidadão» como se um
conceito pudesse divorciar-se do outro. Conquistaram-se «espaços vazios» e
«interditos» em nome do Humanismo. A emergência da regra trinitária Estado/Nação/Território
observada por Bauman, tornou o mundo num enorme «espaço incivil». Os refugiados
(económicos, políticos ou de guerra) vêm daí, desse espaço de violência
instalada e permanente. Quando nos chegam, cara a cara, encontramos as causas
das mixofobias de Bauman: incapazes de assegurarem as suas diferenças, seguem
rapidamente os costumes ocidentais, consumindo como tais, não dando
oportunidade ao encontro real das diferenças culturais. As cidades tornam-se
explosivas, por falta também da observância diferente do outro, da
possibilidade da diversidade e vivência criadoras. O «nós» esvai-se, esbate-se.
Por estranho que pareça, cresce um fenómeno paralelo às mixofobias – o das
mixofilias, que carece da verdadeira construção de uma «comunidade de
semelhança» assente na riqueza das diferenças. A violência contra os refugiados
é um fenómeno dessas sociedades líquidas que rejeitam os resíduos. Bauman
avisa-nos que já Carl Schimtt determinava a soberania de um Estado na distinção
que ele faria entre um valor e um não-valor. Ora, um refugiado, um apátrida,
não tem valor de troca, é um não-valor. Os «espaços interditos» tornaram-se
agora as infames terras devastadas. Lévi-Strauss, nos seus «Tristes Trópicos»,
apresentava-nos formas alternativas das sociedades primitivas lidarem com o
estrangeiro: uma, antropofágica, seria a de «comerem os estrangeiros até ao
fim». A segunda, antropoémica, a de «vomitar os estrangeiros», recolhendo-os e
expelindo-os para longe. As nossas sociedades líquidas adotaram as duas.
António Luís Catarino
1 de maio de 2017