domingo, agosto 25, 2024

«Ruínas, ruínas e ruínas. Como vos amamos tanto!»

 

Ruínas do Hotel Universal nas termas das Pedras Salgadas
Ruínas do Sanatório do Caramulo
Tenho por mim a dar-me melhor com o campo. Substituí as praias já há tempos e a última vez que estive numa, ou seja, este mês durante quatro dias, apanhei um escaldão nos pés, palmas incluídas o que para além de incapacitante é de uma grande estupidez que assumo publicamente. A humanidade trata mal o planeta, recebe a resposta certeira nas plantas dos pés. Há quem se esqueça de pôr protector solar nas orelhas, mas quem o espalharia na sola dos pés? 

Há três anos escrevi que gosto da decadência dos hotéis que já foram ricos e cheios de charme. Hoje o capital que, em Portugal, não chega a nada acumular, não tem tempo, paciência ou dinheiro para os reconstruir. Deixa-os fenecer e, ao lado, sem pudor ou respeito algum, trata de construir novos hotéis que de charme só têm o nome. Como não há licença para destruir as suas ruínas, às dezenas, na chamada Rota das Termas (falo do que vi: Pedras Salgadas, Vidago, Carvalhelhos e Chaves), constroem edifícios horríveis, modernaços e baratos, à Siza ou à Souto Moura, junto a rotundas onde se erigiu uma enorme torneira em mármore jorrando água - uma homenagem às termas, pois claro! Mas o Caramulo, a que vou todos os anos, não fica atrás em miséria e desleixo. Procuro-o por motivos óbvios a que já aludi desde que me divorciei das praias: a procura incessante e obscura da minha alma na decadência dos povos peninsulares retratados nos seus antigos hotéis ainda de pé e, concomitantemente, tratar do meu aparelho digestivo. São razões de peso. Por outro lado, ainda posso ler qualquer coisa ou ouvir a minha música nos phones, sem ser ensurdecido por música aos berros pelas colunas de praia. A comida nos restaurantes das vilas termais tem qualquer coisa de contraditório: após a ida a banhos refastelados em águas límpidas com jactos retemperadores, aos copos de água mineral emborcados com ou sem gás, a ida à sauna onde, cautelosamente, não se pode permanecer mais dos que 20 minutos (eu adormeci numa e sem relógio!), temos de almoçar perante um menu invariavelmente pantagruélico: posta mirandesa de 300 gramas, bacalhau com broa acompanhado com batatas em azeite quente, vitela assada cuja dose dá para uma família inteira, polvo à lagareiro e isto só para falar nos pratos mais levezinhos, não é? E escuso de falar do vinho servido. Quando dizemos, humildes e cautos, que só queremos um copinho, o empregado (geralmente um miúdo da escola profissional de turismo da região) olha para nós com um desdém que até mete impressão. Obriga-nos, quase (quase!) sem querer, ao estribilho comum neste sítios de perdição: «Pronto, deixa a garrafa!». 

Voltemos às ruínas: se disse atrás que hotéis abandonados eram às dezenas em termas, alguns com traças arquitectónicas que um país a sério nunca deixaria de as recuperar vemos, agora às centenas, pensões e residenciais igualmente abandonadas e sem nenhuma intervenção pública ou privada. É impressionante. Algumas situam-se nos centros das vilas e, para além da hilariante arte rotundal dos municípios, encontramos «soluções» que são pior que o deus me livre: tentando imitar o Vhils pintam nas fachadas dos edifícios em ruínas, e sob fundo pintado de branco, a cara do Saramago, da Amália, do Camilo ou do Eça que, ainda por cima, o vão colocar no Panteão, por viva força de um sobrinho-bisneto-autor e que é uma verdadeira bosta como escritor. Um optimista diria que estas ruínas assim «intervencionadas» sempre são solução melhor com aquelas personagens do que, imaginemos, um Valter Hugo Mãe ou um Pedro Chagas Freitas. Um pessimista, conhecedor do país que temos, contraporá: «Deem-lhes tempo!».

E o tempo trata melhor as suas ruínas que os homens e mulheres deste país. Há sempre uma grande altivez num hotel abandonado ou em decadência de ano para ano. Pessoalmente, dou-me bem com esta.

alc