segunda-feira, julho 29, 2024

«Temporada de Furacões», Fernanda Melchior

 

Elsinore, Penguin Random House, 2023. Trad. Cristina Rodríguez e Artur Guerra
Diz o «The Guardian» que Fernanda Melchior é uma das mais importantes vozes contemporâneas da literatura mexicana. Não o negarei. Que é «deslumbrante» já me obriga a travar nos adjectivos. Já o Wall Street Journal (ah pois!), define-o como «um compósito de raiva e de angústia inteiramente singulares». Aqui estaremos inteiramente de acordo porque a leitura desta torrente de ira, de perfídia e de ambientes soturnos nos desconchava a alma completamente. Não há volta a dar. Saímos daqui bastante mal o que, em princípio, cumpre o objectivo de qualquer história ainda por cima baseada num facto real. 

Acresce um facto que muitos de nós sentimos ao ler «Temporada de Furacões»: durante os finais dos anos 70 e inícios dos 80, uma grande fatia de leitores mais ou menos compulsivos entre os quais eu me encontrava - era no tempo em que íamos com livros para o café -, foi inundada do que se chamava então de «realismo mágico» transportado via marítima para a Europa com origem nas pampas, nos sertões e nas altas montanhas na América do Sul. Levámos shots intermináveis desse realismo mágico através de García Márquez, Juan Rulfo, Alejo Carpentier, Cortázar, Borges, o palerma do Vargas Llosa, o vaidoso do Carlos Fuentes e a lista não acabará certamente por aqui. Não que não gostássemos de os ler. Mas a verdade é que tanto realismo mágico chocava com as tristes vivências portuguesas em forma de recuperação acelerada. Que se lixe. Foi-se o realismo mágico tal como veio. Teria ficado algum resto da tal constelação mágica que sobrevoou as Américas meridionais? É possível e aí teremos Fernanda Melchior como uma feliz debutante tendo conseguido desde a sua publicação em língua inglesa vários prémios e, na nossa língua, o dos grande jogos florais das Correntes D'Escritas 2024. Fernanda Melchior tem futuro garantido. Tal como Isabel Allende que reivindica para si tal estatuto, também ela medrada com vários prémios. O filão ainda mexe, portanto.

alc