segunda-feira, junho 03, 2024

«As Altas Montanhas de Portugal», de Yann Martel

 

Presença, 2016. Trad. de Isabel Nunes e Helena Sobral
Yann Martel é essencialmente lembrado pelo romance transformado num filme de levar às lágrimas ao canto do olho «A Vida de Pi». Ora, este tipo lembrou-se de, aos 20 anos, fazer um livro assim o que, de imediato, isto é, passadas umas largas dezenas de anos, veio a concretizar com este «As Altas Montanhas de Portugal». Li-o, porque cada vez que passava por ele numa livraria perguntava-me a mim mesmo (passe o óbvio da afirmação) onde é que ficariam as tais montanhas, altas a bem dizer, ainda por cima com o nome «Portugal» chapado na capa. Ou seja, desde 2016, que me andava a chatear. E só depois de o ter lido é que me levou a chatear-me ainda mais. Não esperem grande literatura por aqui, farão o favor de acreditar em mim. Por vezes, de tão pueril, sentimos que o Martel está a gozar connosco, o grande macacão! Tantos adjectivos, tanta alegoria, tanta metáfora, tanta elipse, tanta comparação, fogo! Cansa. E aquela de comparar Jesus Cristo a Agatha Christie, S. Paulo a Poirot (como construtores de personalidades, vá!) é de chorar a rir, sim senhor. E já viram que não será por acaso que o Christie da Agatha se chama Christie? É ou não uma ligação óbvia com Cristo, caraças? As descrições de uma viagem de um Peugeot de 1904 pelas estradas portuguesas é uma canseira que raia a exaustão psíquica do leitor. Um tipo que alimenta com moto-nafta o depósito do seu carro e que aproveita para o usar em si por ter tido um ataque de piolhos por, imaginem, ter estado em contacto com o povo numa aldeia perdida, que esmurram o carro como obra do diabo, só mesmo o Martel. Depois, há uma descrição de uma autópsia que evito aqui resumir, sendo mais sensato dizer que são páginas de descrições absolutamente intragáveis e que eu prefiro excluir de todo porque, reconhecendo faltar-me algum bom senso para as coisas práticas da vida, ainda tenho algum de sobra para o bom gosto dos amigos que não quero de modo algum ferir. Tenho contudo de assinalar que o amor de uma mulher por um autopsiado a leva a coser-se dentro dele e... até chimpanzés da barriga e ocarinas no pénis do dito, o médico-legista foi encontrar! É pá, ó Martel, isso nem com cogumelos mágicos!

O melhor fica para o fim. Um senador no Canadá, sente-se deprimido, cansado após a morte da mulher. Decide acabar tudo e (opção muito discutível e bem problemática) ir até Portugal a uma aldeia chamada Tuizelo nas ditas Altas Montanhas de Portugal, que afinal é o planalto de Trás-os-Montes. Era de lá que vinham os seus antepassados. Nada a fazer! O homem pirou de vez só por esta decisão e não por ter comprado um chimpanzé triste de um laboratório e trazê-lo para a aldeia, depois de alugar um 2CV que, pela descrição feita do veículo, deveria levar o autor a tribunal pelos amigos do icónico automóvel cuja mecânica é extremamente difícil de perceber para um cidadão americanizado e habituado em mustangues. Mas isso não é nada. O romance vai de mal a pior à medida que tenta acabar, mas de tão estúpido e incongruente, mete-se pelo nosso hipotálamo e cria ofuscações e, muito mais grave, não nos deixa esquecê-lo de todo, alertando-nos para os perigos iminentes de comprar uma coisa destas igual, embora seja difícil. É esse o objectivo do dito cujo, não é? Do hipotálamo...

Não há nenhum filme disto? É para eu não me enganar e não me levar a vê-lo.