D. Quixote, 2021. Tradução de Maria de Fátima Carmo
Um dos pesos-pesados da literatura policial ou, simplesmente, da literatura anglo-saxónica. Silverview tem, contudo, a particularidade de ter sido o último publicado por John le Carré, postumamente e em 2021, após a sua morte por pneumonia. Silverview é um romance escrito por quem está em paz com o mundo, mesmo que esse mundo que ele tão friamente descreveu estivesse bem longe dessa mesma paz. John le Carré foi um espião da Guerra Fria e nela se despediu na década de 60. O que nos legou foi a narrativa do cinismo dos serviços da sua majestade, da inumanidade das guerras, da preparação aturada e ao pormenor de novos conflitos, dos interesses económicos inconfessáveis das potências, dos povos sacrificados sem que isso impedisse o sono aos chefes e às elites. Lá está Gaza, a Palestina e Israel, a Jordânia, Cuba, o embuste do Iraque, a CIA, feroz e omnipotente (e omnipresente), a África repartida pelos ocidentais. Tudo isso, mas não só, é descrito em Silverview numa toada tranquila como quem espera a sua morte pessoal que é talvez pensada ao milímetro transposta para um funeral de dois capítulos, dos mais inquietantes que poderemos ler no livro, revisto e terminado por Nick Cornwell, o filho mais novo de le Carré. É ele que escreve no posfácio:
«Silverview faz uma coisa que nenhum outro livro de John le Carré fez: mostra um serviço fragmentado, repleto das suas próprias facções políticas, nem sempre amável para quem devia acarinhar, nem sempre muito eficaz e alerta, e, em última instância, já não seguro de poder justificar-se a si mesmo. Em Silverview, os espiões da Grã-Bretanha perderam, como tantos nós, a certeza quanto ao significado do país e de quem somos para nós mesmos. Tal como Karla em A Gente de Smiley, também aqui com a nossa própria facção: é a humanidade do Serviço que não está à altura da tarefa - e isso começa a pôr em causa o facto de a tarefa valer o custo.»