quinta-feira, novembro 23, 2023

«As Benevolentes», Jonathan Littell (o artigo que faltava, escrito em 2012)

 


A leitura de As Benevolentes de Jonathan Littel não é um exercício fácil. Não só porque se lê «bem», isto é, com interesse e curiosidade, mas também porque recusa exemplarmente o entretenimento fácil. Quase 70 anos após a II Guerra Mundial, o autor fala-nos dela (e de todas as guerras, por sinal) como só Céline o fez. Suja, malcheirosa, sanguinária, impiedosa. Falar de crueldade é pouco. O pior de tudo é que seguimos a personagem de Max Aue, um SS responsável junto ao Reichfuhrer Himmler e ao também tristemente célebre Eichmann, na solução do «problema judeu». Aue não gosta do que vê nos campos de concentração e na condição dos judeus nos diversos campos que visita. Não nos iludamos: o seu repúdio é porque é mão-de-obra inútil que poderia dar frutos junto das fábricas de armamento de Speer. Poderiam ser mais bem tratados, os judeus, até porque a solução final de Hitler nunca mais poria a «raça» judaica em pé. Sinistro. Como sinistro é sabê-lo professor de Filosofia numa das melhores universidades de Berlim, admirador de Jünger e Platão e da literatura de Flaubert que o acompanha, aliás, na frente russa e no cerco de Estalinegrado. Homossexual recalcado, ama a sua irmã gémea donde surgem igualmente gémeos que são escondidos na Suíça. Assassina a mãe e o padrasto com a cobertura das mais altas individualidades SS. Mata igualmente, já no final da guerra, um aristocrata que tocava Bach numa igreja simplesmente por ser um burguês culpado da agonia do nacional-socialismo.

No entanto, o que me deixou mais apreensivo passa-se nas últimas páginas do livro: o encontro terrífico de Aue e de mais dois SS que fugiam dos russos já às portas de Berlim com um grupo de adolescentes recrutados à pressa pela Wermacht. Assassinavam tudo o que se mexia desde russos por serem invasores a alemães por fugirem. Não tinham chefes, nem moral ou sombra de piedade humana. Tudo se resumia a matar, a violar e a roubar. Aue dá consigo a pensar que estes jovens adolescentes tiveram acesso, até há pouco tempo atrás, de uma escolaridade humanista, sensível, na melhor tradição iluminista. Eram, agora, feras. Como se Aue, ele próprio, não o fosse também. Todo o livro para mim resume-se a esta cena final. Senti incómodo ao tentar saber a resposta