A partir deste ponto esclarecedor segundo o «nomadismo poético» de Kenneth White reparamos que Victor Segalen vive obcecado pela vida de Rimbaud, não conseguindo, contudo, que cometesse alguns erros ao citar de cor alguns versos de Rimbaud não totalmente certos, como reparou o tradutor da edição da Sistema Solar, Aníbal Fernandes. Segalen, na sua demanda, entrevistou alguns dos que conheceram aquele poeta luminoso, nomeadamente os irmãos gregos amigos e proprietários do Café de la Paix, em Harare, onde Rimbaud bebia o seu café e fazia os seus negócios, muitos deles fracassados. Creio que Segalen e outros (mais ou menos inteligentes, mais ou menos imbecis) nunca lhe perdoaram o ter abandonado com 20 anos a poesia. Quando Rimbaud perdeu a perna e regressa a França para tentar uma derradeira salvação que não consegue, Segalen, que não o conheceu pessoalmente, segue o seu rasto e fala com a irmã, Isabelle. Citei-a num desenho meu de Rimbaud que expus no Liquidâmbar em «Anjos do Desespero», em 2020, entendendo que ele era um deles. Afirmou ela a Segalen que no seu leito e já muito doente, quando ela lhe lia e, entre a narrativa se sobrepunha um poema, ele pedia-lhe rapidamente para saltar por cima, para não o ler, para continuar a narrativa mas sem poesia!
Creio que é difícil, para nós, ver um dos maiores poetas odiar a poesia, mas ele odiava-a verdadeiramente. Mesmo que as tais interpretações pseudo-freudianas nos lançarem a bóia do amor/ódio, não há volta a dar: Rimbaud é um poeta luminoso e foi-o entre os 17 e 20 anos. E isso é encantador (no que de mais verídico contém esta palavra)!
Rimbaud, António Luís Catarino, Exposição «Anjos do Desespero», 2020, Liquidâmbar. Encontra-se no desenho a citação atribuída a Isabelle Rimbaud
Edição da Sistema Solar, 2022, Preâmbulo (excelente) de Benjamim Fondane. Introdução e tradução de Aníbal Fernandes. Edição muito completa com desenhos de Verlaine, Léger, Cocteau, Rosman, Berrichon, Forsin e fotos raras de, Fondane, Isabelle e Jean-Arhur Rimbaud e retrato de Victor Segalen por Monfreid.
Edição da Hiena, 1991, tradução de António Moura, prefácios de Bernard Nöel e Michael Taylor.