Éditions Chandeigne, 1992 e Gallimard poche, 1994
Um livro já relativamente antigo de Pascal Quignard, mas que tem muito a ver connosco, com os portugueses e principalmente com a História portuguesa do século XVII. A «fronteira» é relativa às estórias (são várias que se cruzam) do Marquês de Fronteira e da Restauração de 1640 até ao período de 1690.
Digamos que o livro tem um interesse limitado devido, até, ao motivo que o levou a publicar. As Edições Quetzal, com Maria da Piedade Ferreira e Rogério Petinga, no dia 19 de Maio de 1992, associaram-se a uma grande festa dos Marqueses de Fronteira, ora toma!, no Palácio do mesmo nome e, com tradução de Pedro Támen. O livro de Pacal Quignard surgiu, pois, entre champanhe e canapés, nos labirintos algo esquivos dos jardins, entre estátuas eróticas e azulejos que tentam retratar a vida nobre e alguma dissolução de costumes da nobreza da altura. Nada que não soubéssemos já, mas a razão de tais temas nos azulejos terão a ver com a história que Pascal Quignard conta neste romance excelente, com uma contenção assinalável de somente 80 páginas. Não sei se a encomenda saiu como os pagantes gostariam que fosse publicada, isto é, por suas nobres senhorias Mafalda e Fernando de Mascarenhas, mas a ideia que fica é de uma violência assassina que era apanágio da nossas «elites». Eis a nossa monarquia bragantina em todo o seu esplendor desde D. João IV: uma cambada de dissolutos, bêbados, toureiros, gulosos de comezainas e de carnes muitas, violadores em grupo de mulheres sue viviam sozinhas nos arrabaldes, entre elas descendentes de mouras e de judeus portanto desculpáveis por qualquer coisinha, pedófilos, assassinos mesmo entre eles, seja por ciúmes, seja por promessas não cumpridas, também atacavam quem se atrevia a sair na noite perigosa lisboeta. Roubavam igualmente mendigos e sem-abrigo quando o dinheiro da estroina faltava!
Há, contudo, uma heroína nesta história de Quignard e que está representada nos azulejos dos jardins de Fronteira: é a Madame d'Oeiras que, apesar de um suicídio impossível de evitar segundo os costumes da época e, claro desculpável pela igreja devido à sua estirpe social (deu-a como doida para a safar das chamas do inferno!), capou o amante, Monsieur de Jaume (um criminoso francês a quem lhe deram título por ter ajudado os nobres nos combates contra Castela), por ter descoberto que tinha matado o marido numa caçada ao javali, para ficar com ela numa teia que teria urdido desde que ela era criança. A vingança foi feita e está exposta em azulejos, em ouro sobre azul, ainda hoje no Palácio Fronteira.
A questão que coloco é esta: a «encomenda» era mesmo para ter este retrato e este fim? Se assim não foi, Pascal Quignard saiu, sem ironias, mesmo melhor que a encomenda, como se diz cá na terrinha ainda embevecida pelas suas «elites»! O retrato que delas dá Quignard não é suposto ser assim, digamos, tão cru, para com um regime que caiu de podre e que no seu seio gerou das maiores aberrações que a História assinalou. Pena que Aquilino não tenha podido ler este livro.