Edições 70, 2019, Tradução de Marian Toldy e Teresa Toldy
Sendo uma história generalista da Europa, não deixa de ser um livro muito interessante e até certo ponto imprescindível se nos ativermos às questões novas que nos coloca. Chris Wickham, professor medievalista em Oxford, não entra numa ruptura completa com a História do século XX, citando várias vezes os trabalhos fundamentais de Marc Bloch, Le Roy Ladurie ou Georges Duby para só falar de alguns referidos por ele. A sua proposta é outra: a partir desses dados e das fontes utilizadas, portanto sérias, ele parte para outras conclusões que não deixam de nos surpreender pela lógica dos grandes movimentos estruturais da História da Europa. Não sendo taxativo nas afirmações, questiona, recompõe, critica, inova no sentido de se basear em novas fontes e na arqueologia. A interpretação que faz ao nível da cultura e das mentalidades medievais é onde reside o seu principal foco científico, mesmo que essa transmissão seja essencialmente baseada nos escritos das elites.
Wickham provoca o leitor de uma forma responsável avançando com questões que nos incomodam pela novidade e mesmo pela sua verosimilhança. Só darei poucos exemplos, mas resume-se alguns deles: «Se o Império Romano não tivesse caído? Se o Império, que não caiu do lado oriental até ao século XV, tivesse igualmente permanecido com as suas instituições reformadas e pequenas mudanças ou retraimentos na Europa Ocidental cimentando-se no direito romano e canónico?»; «E se a tomada (e destruição) de Constantinopla do Império Otomano na Quarta Cruzada não foi um retrocesso grave no desenvolvimento global da Europa Ocidental?»; «E se a tributação fiscal e centralização do poder no Império Bizantino, juntando-se a um comércio de longo curso fosse adoptado pelos reinos belicosos da Europa Ocidental o protocapitalismo não teria chegado mais cedo obrigando a uma necessária revolução industrial, mesmo que incipiente?»; «E se o chamado desenvolvimento económico do século XII na Europa Ocidental não o foi assim tanto, tendo predominado muito mais as trocas directas entre as pequenas cidades e o campo, muito mais dinâmico que o comércio externo das ligas hanseáticas, das feiras de Champanhe ou das cidades italianas, sobrevalorizadas pelos historiadores até agora?»; «E, retirando o cinismo inerente à hipótese, se a Peste Negra de 1348-50 fosse antes um alívio face ao aumento demográfico exponencial do século XII e XIII, sem que houvesse tecnologias para aumentar a produção agrícola ou a desflorestação que teve necessariamente de se pôr cobro devido ao esgotamento de recursos disponíveis?»; e continua as suas «provocações» sendo que há uma delas que não posso deixar de citar. Trata-se de muitas vezes olharmos para as cidades como sendo um espaço de liberdade para os camponeses e artesãos face à extrema exploração tributária dos senhores da terra nos campos. Ora se olharmos para as leis municipais veremos uma elite burguesa muito associada à aristocracia terratenente com leis e práticas dominantes nada simpáticas aos migrantes internos sujeitos a leis brutais. A circulação de moeda, principalmente de prata, ao contrário do Império Bizantino que a cunhava em ouro e de circulação abundante, continuou a perpetuar a troca directa em detrimento do propalado «desenvolvimento» deste século.
O interesse deste livro tem a ver, igualmente, com a visão global que temos de uma Europa Ocidental que permaneceu tempo demais com instituições e economias cuja necessária transformação não acompanhou estados e regiões que seriam muito mais dinâmicos durante a Alta e Baixa Idade Média, como a China, a Índia ou o próprio Império Bizantino este último muito mais sólido cultural, política e economicamente falando. A perspectiva eurocêntrica é assim abandonada e não deixa de ser curiosa a posição de Chris Wickham sobre a expansão do século XVI (data limite do estudo) iniciada por portugueses e espanhóis cuja contribuição para o desenvolvimento do capitalismo comercial foi claramente sobrevalorizada, ajudando mais à riqueza dos seus próprios reis o que para o crescimento mundial. Ou seja, esse desenvolvimento já estava em marcha desde há um ou dois séculos antes da expansão marítima ibérica que fez baixar os preços dos produtos orientais transaccionados desde há muito.
Essa visão global da História da Europa Ocidental na Idade Média é dada pelo autor pela descrição detalhada sobre os pequenos ou grande estados que a formavam, com fronteiras sistematicamente elásticas consoante as guerras permanentes que aconteciam desde os impérios de Rus, Kiev e Novgorod, pela junção e separação dos estados balcânicos, da Bulgária, da Boémia, do Sacro Império Romano, do Reino da Lituânia e Polónia ou do Francês e Inglês sempre em conflito. Também Portugal e Castela não são esquecidos, comparando, com alguma ironia, a nossa relação com o poderoso vizinho com a Escócia e Irlanda com a Inglaterra.