Edições Dinossauro, 2004. Tradução e Introdução de Francisco Martins Rodrigues
Como nos lembra Francisco Martins Rodrigues na Introdução esta edição de Ilya Ehrenburg baseia-se na de Philippe Buonarroti que, em 1828, publica em Bruxelas «La Conspiration pour L'Égalité, dite de Babeuf».
Nessa Introdução é lembrado que Babeuf será provavelmente exemplo único de um comunismo libertário ou anarquista (eu não lhe chamaria «primitivo») que durante a Revolução Francesa teve o apoio incondicional das vastas camadas populares de Paris e que nunca se reviu no Directório que mandou matar Babeuf e Darthé, enviar para o exílio em Caiena quer Buonarroti, quer Germain e Goujon, Duroy, Soubrani, Javogues entre muitos outros. A sua referência era sem dúvida a Constituição de 1793 que praticamente nunca foi posta em prática devido ao seu carácter «comunista», alguns montanheses e as comunas dos 12 departamentos de Paris organizadas pelos sans-culottes e pelas mulheres dos Bairros de Antoine e Marceau, vanguardas do povo de que a burguesia sempre desconfiou e tentou derrotar.
Sobre Ilya Ehrenburg, Francisco Martins Rodrigues dá-nos uma ideia clara. Escritor soviético, falecido em 1967, assistiu aos processos de Moscovo teleguiados por Estaline «(...) não é difícil encontrar nesta Conspiração dos Iguais, a propósito do Terror da Revolução Francesa, alusões transparentes ao Terror ditatorial dos anos 30 na União Soviética.» Não estou aqui para uma análise da qualidade literária de Ehrenburg (nunca o fiz nestas fichas de leitura, nem tenho pretensões a crítico seja do que for), mas creio que o registo do autor se aproxima mais do jornalismo do que literatura. Mas é um estilo que se lê com soltura perante uma tragédia anunciada que foi a conspiração dos Iguais de Babeuf e Buonarroti em 1796 já no fim da Revolução Francesa de 1789. Pode dizer-se com certeza que a História confere que foi com esta conspiração que terminou, de facto, toda a qualquer tentativa de a transformar em algo mais do que uma República burguesa, realista, a que Napoleão deu forma logo a seguir.
Babeuf morre guilhotinado, através de uma traição de um tal Grisel teleguiada por Barras (um dos 5 membros do Directório) que se infiltra na insurreição preparada pelos Iguais. Será pago, mais tarde com umas míseras 30 libras (doce ironia bíblica)! O Tribuno do Povo (como era conhecido devido ao título do seu Jornal), Gracchus Babeuf, morre, portanto, a 8 de Pradial do ano V, ou, pelo antigo calendário gregoriano, a 27 de Maio de 1797, com 37 anos de idade. Antes, em pleno tribunal, ao conhecer a sentença da guilhotina e depois do Directório ter influenciado um dos jurados que quase absolviam os Iguais, tenta o suicídio juntamente com Darthés, embora mal-sucedidos. Mantêm-nos vivos até à guilhotina. Paris pobre chorou-o, admirou a sua coragem e a sua coerência, não acreditou nas calúnias que lhe lançaram, mas não se moveu para o libertar. Cansaço da revolução? É possível. Há 7 anos que se seguiam insurreições, revoluções dentro da Revolução, prisões, torturas, massacres e guilhotinas a mais tal como afirmava Babeuf que lutava por uma Sociedade de Felicidade. Marat e Robespierre, Anarchasis Cloots, tal como Danton já não faziam parte do desejo revolucionário. Tinham sido devorados pelo frémito da mudança violenta de um estado para outro. Nada que Babeuf, os Iguais e igualmente o povo de França não soubessem. Entretanto morria-se literalmente à fome, o desemprego tornava-se endémico e a miséria instalava-se. O cair de braços dos mais fracos e dos subalternos também. Talvez por isso os bairros pobres de Paris não reagiram à prisão de Babeuf ou tivessem pressentido o fim próximo. Acabaram por morrer com eles, ou seja, com Babeuf e os Iguais.
A preparação da conspiração:
«Babeuf e os amigos não confiavam nos montagnards (montanheses, deputados de esquerda da Convenção): não são verdadeiros democratas! Enquanto os Iguais reverenciavam a memória de Robespierre, entre os antigos deputados não havia um só que não tivesse ultrajado, depois do Termidor, o ''tirano derrubado''. Em política, contudo, não há lugar para sentimentos, e os Iguais encetaram conversações com os montagnards.
(...) Os montagnards ouviam sem pestanejar as declarações dos Iguais; deixem-nos divertir-se! Outra coisa os preocupava: quem entrará no novo governo? Os Iguais reclamavam a autoridade para os pobres diabos, jornaleiros, operários, artesãos, mas nesse ponto os montagnards eram irredutíveis. Queriam o poder para si. A sua única palavra de ordem era: ''Viva a antiga Convenção!''.
Isto indignava Babeuf:
- Não podemos fazer concessões. faz algum sentido tanta luta para a França voltar a ser governada por essa Convenção a que Robespierre chamou com razão ''Assembleia de Assassinos''? Não, esta gente já tomou o gosto do poder, já molharam os lábios na taça, estão envenenados! Do que precisamos realmente é de forças novas. Precisamos de sans-culottes, gente do povo, não de políticos.» (págs. 134/135)
A defesa em tribunal de Babeuf:
«O processo durou muito tempo. Começara em Ventoso, no tempo dos grandes frios, e já estava no alegre Floreal. Faltava o ar na sala sombria. Fazendo apelo a toda a sua energia, Babeuf leu a defesa. Leu durante dez horas, sem um minuto de descanso. Por fim, falta-lhe a voz. Expõe as suas ideias aos juízes: a lei agrária não é um remédio, só a comunidade dos bens garante a igualdade. Bailly (um dos juízes) desata a rir. (...)
Ele fala agora do perigo que ameaça a República, mas Veillart (outro juiz) interrompe-o:
- Vós quisestes arruinar a República!
- Não! Quisemos salvá-la! A Revolução não deu nada ao povo e o povo começa a odiar a República. Olhai à vossa volta. Que vedes? Indiferença. Os patriotas, ainda ontem intrépidos e ardentes, agora calam-se. Perderam a coragem... Mas a igualdade deve triunfar, triunfará. A Revolução Francesa é apenas a precursora de uma outra revolução, bem maior e mais solena, que será a última; então desaparecerão os limites das propriedades, as vedações, os muros, as prisões, os roubos, os crimes, os enforcamentos, a inveja, a avidez, a traição, a hipocrisia, e esse verme que tudo rói, a cobiça universal...» (págs. 172/173)