sexta-feira, janeiro 04, 2019

Xutos e Pontapés: em memória de Zé Pedro 17


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Os Xutos e Pontapés são, possivelmente, a melhor banda rock. Porque são genuínos e Zé Pedro, que faleceu aos 61 anos numa morte anunciada há uns tempos, conseguia dar-lhe a vida no palco e nas letras que compunha. Era verdadeiramente credível como rocker. Sem querer, quase sem querer, acompanhámo-lo a partir dos finais da década de 70 e inícios de 80, ainda no Rock Rendez-Vous onde íamos beber umas cervejas e onde o haxixe e a erva corria, frenética, na inicial movida lisboeta. Zé Pedro e os Xutos topou-nos a todos, razão do enorme êxito a que se borrifavam totalmente. Entendíamo-nos bem: eles cantavam o que queríamos ouvir, nas nossas vidas dos finais dos 20 anos, acabados os tempos revolucionários e começo da recuperação da democracia normalizada. Eles punks, nós new wave. Sem esperança, sem dinheiro, vagueando na deriva da noite que nos havia de queimar-nos a todos, ouvíamos Xutos e a guitarra do Zé Pedro. Em Contentores, a poesia de quem quer ir «Voltar a zero num planeta distante/Memória de elefante talvez/O outro mundo/A carga pronta metida nos contentores/Adeus aos meus/amores que me vou/P'ra outro mundo/Num voo nocturno num cargueiro espacial» ou rir e ir «E uma vontade de rir, nasce do fundo do ser/E uma vontade de ir, correr o mundo e partir/A vida é sempre a perder» diziam, em O Homem do Leme. Em memória do Zé Pedro, mas também em todos os amigos que morreram no antro da heroína e do álcool «No fundo do mar/Jazem os outros, os que lá ficaram/Em dias cinzentos/Descanso eterno lá encontraram» ou de jovens mulheres e homens de que perdemos o rasto, que amámos perdidamente em sinais da noite e no império dos sentidos da juventude de blusões negros «Procuro à noite, um sinal de ti/Espero à noite, por quem não esqueci/Eu peço à noite, um sinal de ti/Por quem eu não esqueci/Por sinais perdidos/Espero em vão/Por tempos antigos, por uma canção/Ainda procuro, por quem não esqueci/Por quem já não volta, por quem eu perdi». Quantas vezes a raiva estourou nos nossos dedos vendo os sonhos partirem assim de rajada em Não sou o único: «A ver os sonhos partirem/À espera que algo aconteça/A despejar a minha raiva/A viver as emoções/A desejar o que não tive/Agarrado às tentações/E quando as nuvens partirem/O céu azul ficará/E quando as trevas abrirem/Vais ver, o sol brilhará». Sim, Zé Pedro topou-nos de longe e viu os brilhos do céu azul, fosse um anjo da guarda que nos fizesse voltar a sonhar e voar, como de causas políticas concretas que ele abraçou e deu a cara. Infelizmente, o Circo de Feras que anunciou cá está em todo o seu esplendor: «A vida vai torta/Jamais se endireita/O azar persegue/Esconde-se à espreita/Nunca dei um passo/Que fosse o correto/Eu nunca fiz nada/Que batesse certo». Geração derrotada, mas não vencida totalmente, esperneia por um mundo ainda livre. Possivelmente, perderemos a última luta: «As vagas que te esmagam/Contra tudo lutas/Contra tudo falhas». Queremos de volta os nossos blusões negros, queremos de volta este amor juvenil. Não somos os únicos. Tu, Zé Pedro, eras o único, sim.

António Luís Catarino, 6/12/2017