terça-feira, janeiro 08, 2019

«Sinto que o que havia de bom em mim me vai abandonando e pareço-me mais positivo a cada dia que passa!» 22


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Patrik Ouredník

Calhou-me às mãos um livro de um rapaz checo nascido como eu nos anos 50 do século XX: Patrik Ouredník que escreveu o tão estranho, quanto lúcido «Europeana». A Espanha teve sorte, visto que o livro de 2001, foi editado aí em 2004 e em Portugal somente em 2017. Adiante. É obrigatório lê-lo e não ter receio de comparar o seu autor a Swift, Sterne ou mesmo a Beckett. Entremos no horror: em 1944, aquando do desembarque na Normandia, os americanos tinham de altura média 1,73m. Se juntássemos os corpos dos que tombaram teríamos uma fila de 38 Km. Atenção: se utilizássemos o mesmo padrão aos franceses caídos em toda a II Guerra teríamos 2681 Km, os ingleses 1547 e os alemães 3010. Se num exercício mais macabro os contássemos a todos, teríamos a soma terrífica de 15508 km. O diâmetro da Terra é de 12 742Km. Mas a carnificina da I Guerra terá sido mais traumatizante ainda: havia novas armas e novas estratégias que matavam no mar, em terra e no ar. Perante a morte em massa fixemo-nos na frase de um soldado italiano que, nas trincheiras infectas, escreve à sua irmã o estranho título em epígrafe, versão não nuclear do Dr. Strangelove. Não faltará, pois, entusiasmo e os nazis e os estalinistas criaram campos de concentração, de extermínio e de reeducação e também a noção do «homem novo», o que vai dar ao mesmo. Mas foi o trabalho e a técnica, o alfa e o ómega da nova era. As mulheres também se libertaram entre as duas guerras, substituindo os homens nas fábricas de armamento e gazes nocivos e algumas morreram de cancro e ficaram estéreis. Colavam cartazes nos EUA do tipo «Ai quem me dera ser homem: juntava-me imediatamente à marinha!». Depois, as teorias eugénicas levaram ao Holocausto e ao genocídio dos judeus em massa mas, em 1985, o Conselho Mundial Judaico não reconheceu o genocídio cigano. Depois, matou-se Deus lá pelos anos 60 e um revolucionário francês conhecido afirmou que tinha dúvidas que o Homem O substituísse com competência. Mas nos anos 30 e 40 mataram-se muitos homossexuais, alcoólicos, inadaptados, subversivos e malucos. Pararam nos anos 50 quando os cientistas pensaram que se os eliminassem a todos, seriam ainda precisas 90 gerações para conseguir 1 associal em cem mil pessoas. Depois vieram as crianças e os jovens que queriam produtos para eles e a sociedade de consumo deu-lhes tudo, embora eles combatessem a sociedade de consumo. Este hedonismo é que mata a memória, o que é perigoso, diziam os historiadores entendidos no assunto. Depois, os animais ficaram importantes e os soldados americanos no Vietname quotizaram-se para construir um monumento aos 4100 cães caídos pela democracia e pela liberdade. Finalmente (?), em 2000, o estado do Alabama permitiu casamentos mistos entre brancos e negros. Vieram as teorias apocalípticas afirmando bastas vezes que o mundo ia acabar. Quase que acabou às 23.59h do dia 31 de dezembro de 1999, quando o «Bug do Milénio» não saberia identificar o ano de 2000 e voltaríamos a 1900. Como o século não existisse e a eletricidade não tivesse sido inventada.

António Luís Catarino, 12/02/2018