sábado, abril 20, 2024

«Empúsio», Olga Tokarczuk

 

Cavalo de Ferro, 2024, Tradução de Teresa Fernandes Swiatkiewicz
Passado em 1913, um ano antes da I Guerra Mundial, ainda os impérios e as monarquias dominavam politica e geograficamente uma Europa hoje quase irreconhecível, «Empúsio», da polaca Olga Tokarczuk, prémio nobel (não sendo por isso que não deixa de ser uma grande escritora, ironia minha!), coloca o centro deste romance extraordinário numa Polónia que então não existia. Como sabemos, era território dividido pelo Império Russo, Alemão e Austro-Húngaro. E é numa aldeia deste último que a narrativa se desenvolve, nas paredes quer de um sanatório, a Kurhaus, quer na «Pensão para Cavalheiros» (assim mesmo) para quem esperava vaga na primeira. É evidente que não separamos esta história com a «Montanha Mágica» do austríaco, igualmente nobelizado, Thomas Mann. E é Olga Tokarczuk que não o esconde. Assim, se o primeiro romance é uma metáfora do nazismo que aí vinha tudo passado numa indiferença total face à morte e ao confinamento, aqui não deixa igualmente de ser uma metáfora do que aí vinha, mas com uma variante literária que torna este romance incontornável. Neste sanatório, onde se morre, se discute a vida até ao limite do cansaço, onde se bebe e come com o prazer de ser, talvez, coisa efémera, há uma viagem até aos nossos dias. Aí está uma das razões que não conseguimos largar este livro. Além de bem escrito (e bem traduzido, diga-se), com o português etimologicamente límpido de antes do AO90, Olga Tokarczuk reserva-nos uma surpresa no final do livro. Só levanto uma ponta do véu: perante discursos misóginos contra as mulheres que julgamos ser da época, qual o nosso espanto quando... afinal, era retirado de nomes literários que num momento ou outro as proferiram, não há muito tempo, e que a autora, num momento de maldade precisa e necessária, as colocou como sendo as personagens do princípio do século XX a dizerem-nas. Alguns destes autores conhecemo-los bem demais... os seus nomes estão lá todos. Um livro que me prendeu totalmente tal como os igualmente bons «Viagens» e «Outrora e Outros Tempos».