D. Quixote, 2016, Tradução: João Reis
Bom, o que vale é que Horst foi polícia na Divisão de Oslo o que dá um carácter de veracidade a tudo o que lemos dele. Não só a questão administrativa a que são obrigados os detectives (creio que ainda bem!), mas a sua relação com os procuradores e juízes e igualmente com os métodos de investigação, embora mais que ajudados pelos capitalismo de vigilância. Já aqui se disse que a dedução, a memória, a inteligência de um detective do século XX já nada tem a ver com os quilómetros de imagens, mails, contas bancárias, telemóveis e discos duros dos computadores a que hoje começa e acaba toda uma investigação criminal no século XXI. Os crimes hoje são essencialmente económicos e deixa-se para trás o tráfico de droga ou outros equivalentes, como os humanos. Não há mãos para tudo, caramba! O Estado assim o obriga e tudo corre às mil maravilhas.
A história do livro em si não é má de todo. Mas os liberais deviam seguir a narrativa de Horst quando este vai à Lituânia numa investigação criminal. Longe de ser um autor que aborde a política, não deixa, contudo, de exercer a sua visão sobre a sociedade lituana há poucos anos saída da União Soviética. Como disse, os liberais, depois de um dia de trabalho árduo no Parlamento ou nas suas empresas e nos seus unicórnios, depois de passarem no ginásio ou no spa, ou mesmo durante os mesmos, sei lá, deviam ler o que ele conta da Lituânia neste livro. O liberalismo selvagem produziu pobres a esmo, 25% de desemprego, riquezas fabulosas, crime mais organizado que o Estado, mercados negros tão grandes como os maiores bairros de Oslo onde tudo se consome e vende sem que se possa criar riqueza para o Estado, porque a exercer o fisco nesses mercados era pior do que as suas consequências sociais. Fixe, não é? Claro que quem paga isso, em parte, são os países ricos como a Noruega, a Suécia, a Finlândia e a Dinamarca, por exemplo. Mas nem tudo é mau: produz uma literatura policial profícua e lucrativa nestes países, em troca de umas casas assaltadas (geralmente as segundas ou terceiras casas de férias de famílias viquingues), uns televisores LCD a menos e uns carros desviados dos seus donos. Nada que preocupe a social-democracia em descida inclinada para a extrema-direita, igualmente favorecida para o seu discurso político. Todo um programa liberal em poucas centenas de páginas.