2022. De Todd Field. Com Cate Blanchett e Nina Hoss
Creio ser já um lugar comum afirmar que é um grande filme, embora fuja, até certo ponto, à matriz de Hollywood. Creio igualmente que todos estiveram com atenção ao seu início com a entrevista de Tár: o Tempo torna-se o mote da conversa levado inteligentemente para o debate pela maestrina protagonizada por uma Cate Blanchett soberba. O tempo que pode ser tanto o ritmado pelo metrónomo ou pelo tempo da vida, aquele que flui durante a nossa duração por aqui. A música pode ser matemática como liberdade pura. É razão e emoção. É Mahler ou Bach, os opostos. Tár vive obcecada pelo som, pelo tempo, e persegue-os e às personagens que os criam. O filme tem igualmente uma visão que pode ser caleidoscópica ou total: o poder que Tár exerce sobre tudo e todos os que a rodeiam sem se dar conta que há todo um mundo lá fora (da música e da política burocrática) que pode virar-se repentinamente contra ela pelo género, pela manipulação tecnológica da imagem (e, já agora, dos fonemas passados a palavras), pela comunicação social e redes sociais, por alunos e assistentes que usam contra o si o poder que lhes dá, numa teia onde, provavelmente, o mérito é o menos importante. Tár cai e a queda é ruidosa. Os seus inimigos exultam. Não por ser uma maestrina de excelência, e o filme abre-nos a porta a excertos musicais como é raro ver em filmes - Miguel Ramalhete Gomes fala disso aqui, num post seu sobre o filme, utilizando um termo «selvajaria» com que logo me identifiquei sobre o som da 5ª de Mahler que nos esmaga -, mas porque o jogo da substituição sem freio é o mote dos dias de hoje, mais do que o crime e castigo das tragédias. A queda está sempre presente, é sempre possível, em nós e o filme lembra-nos isso de uma forma inteligente.
alc