Um novo «Alfabeto Adiado» de José Ricardo Nunes. Em junho de 2010 um livro com o mesmo nome foi publicado na Deriva. Para mim, com a certeza de um dos melhores livros que editei enquanto mantive a editora em 15 anos. Há uns dias, pela mão do José Ricardo, recebi este livro excecional editado pela Companhia das Ilhas. Uma pequena nota de autor no final do livro faz notar a coincidência do título ressalvando que é um livro novo. Não completamente, contudo. Mas livro novo, mais apurado com mudanças, algumas significativas, de 23 poemas (não sou capaz de lhes chamar «prosas poéticas») inaugurados em 2010, com uma necessidade sentida de síntese, aberta pelo tempo, 13 anos depois. Acrescentou-lhe mais 19 poemas. E é essa necessidade de apuramento, de medição das palavras que faz todo o sentido neste livro extraordinário onde o poeta apresenta várias noções de tempo, seja o Kronos, o Kairos ou o Aion gregos. Um livro que deve ser lido devagar, se possível com outros «adiamentos» anteriores encontrados noutros tantos livros, alguns de viagens (ou o Topos), que faz desta poesia uma das melhores que tenho lido e sentido.
«Repetição da minha vida (excerto)
Sempre me senti deslocado face ao tempo, como se lhe tivesse ganho um avanço substancial, irrecuperável. As coisas acontecem em mim antes ainda de terem uma expressão objectiva e materializada. A realidade surge invariavelmente depois.
A dissonância existe entre o meu agora e o próprio fluir do tempo. (...) Poderia prosseguir com os exemplos durante o resto da noite. Apresentar a regra, porém, sem incoerências nem lapsos, exigir um poder de síntese para o qual a linguagem não revela aptidão. Sou mais lento do que maioria, a falar ou a mover-me, mas apreendo com uma velocidade de relâmpago - eis outra formulação possível. Antecipo. (...)» pág. 25 e 26
José Ricardo Nunes, Companhia das Ilhas, janeiro de 2023.
O autor publicou, igualmente, entre muitos outros, «Versos Olímpicos» (Deriva) ou de «Andar a Par» (Tinta-da-China).