sexta-feira, julho 09, 2021

«A Caça», de Virgílio Martinho

 

Editado pel'A Regra do Jogo, em 1 de Abril de 1974. Com capa e desenhos de João Bernardo

Não conheço «Festa Pública», o primeiro livro do autor e talvez o mais marcado pelo surrealismo se, por simples preguiça literária, o quisermos aqui enquadrar. No entanto, este «A Caça» é de uma enorme alegria: irónico, cruel, maldito, com cenas claramente surrealistas como quando nascem flores das mãos de Valentim, ou quando o coração lhe salta literalmente da garganta, ou mesmo quando perde um périplo que o levaria à liberdade de uma secretaria militar para ficar a ver um pássaro vermelho esvoaçante como que a dizer que aquela, a liberdade, não demorará a vir. A escrita de Virgílio Martinho é pois um conjunto de metáforas e alegorias que não se impõem, antes nos forçam ao riso ou ao sorriso cúmplice de um autor que nos brinda com possíveis fugas a uma ditadura que duraria somente mais 21 dias após a publicação de «A Caça». Portanto, tudo correrá mal à personagem de Valentim. A vida não lhe é querida e adapta-se às misérias de uma mãe falecida precocemente, de um pai morto à pancada na prisão por ser «caçador furtivo» (afinal um resistente, descobre o leitor atento), uma casa incendiada, tempestades terríveis, espancamentos, roubos, lutas a tiro, enforcamentos, suicídios. Uma espécie de Cândido, ou um país a valer tudo, porque há quem diga que antigamente é qu'era bom! 

«A Caça» deveria ser objecto de muito mais atenção do que foi até hoje. Já perdoei a quem um dia mo levou de casa, até porque arranjei outro em livreiros alfarrabistas, esses nossos amigos que nos colocam na difícil situação de velhos, todos os dias em que os consultamos, tal a quantidade de livros da nossa juventude em escaparate internético ou físico!

Uma palavra para João Bernardo, esse mesmo, o cineasta, que além de ser um óptimo realizador nos presenteou com capas incríveis durante os anos 70 e 80 do século passado e em várias editoras, com destaque para A Regra do Jogo, Afrontamento e Centelha. As ilustrações de «A Caça» lá estão para provar o que digo.

Predisponho-me a ler desde já «O Grande Cidadão», este de 1963, com 2ª edição de 1975.