quarta-feira, abril 19, 2006

Epifanias de Fernando Echevarría.


A Andrea Peniche, da Afrontamento, deu-me as Epifanias, livro surpreendente de um poeta - Fernando Echevarría. Poeta que vou lendo como ele escreve -com vagar mas com enorme gosto. Conheci-o nas Correntes d'Escritas e é daquelas pessoas que se deve ouvir com muita atenção, sem pressas fúteis e não esperando dele verdades insofismáveis. Esperemos, antes, a interrogação incómoda. Rigoroso e calmo, embrenhado numa aparente contemplação de tudo e de todos, parece que de Echevarría emana uma espécie de sacralidade laica onde a palavra atinge um patamar dificilmente atingível no seu uso mais comum. O rigor que antevi nas suas palavras e nas ideias expostas também em conversa com o Nuno Rebocho, poeta e jornalista da Antena 2, apelam à arte do estudo aturado e profundo e à crítica permanente contrastando, assim, com a tagarelice espectacular e pós-moderna dos dias que correm, ou que nos fazem correr, sem sentido nenhum. Um poeta, pois, a ler.

Dele, escreveu Pedro Mexia (6ª, DN, 14/04/2006) - «(...) Echevarría é um poeta sem concessões nem modismos, comprometido com as palavras e as ideias, algumas das quais só existem plenamente quando alcançam uma expressão poética exigente. Epifanias, como toda a poesia de Echevarría, instaura o domínio absoluto do verbo.(...)»

Das Epifanias:

Há o silêncio de antes da palavra.
E aquele que, depois dela, deixa sítio
para subirem pausas
com outras dentro desenvolvendo o limbo
por onde suba inviolável, alta
a melodia do que foi esquecido.
Esse silêncio pauta.
Vai decifrando vestígios
de quanto o precedeu no gasto mapa
de que é possível compulsar o ritmo.
E estar à escuta com, ao fundo, a alma
a desprender-se. Subindo
até o silêncio recobrir a água
e desnudar a solidão do espírito.

Epifanias, Afrontamento, pag.65.

O seu vagar vai indo. Enquanto ciência
não dilucida já, antes se alarga
e estende a sua felicidade intensa
a domínios que tocam a palavra.
E, depois, de a tocar, a levam
a um campo de luz. A uma entranha
que devolve o calos da inteligência
com que satura o núcleo da substância.
O vagar é a grande recompensa
do homem. Vem-lhe dessa zona arcaica
que começou a deslumbrar-se. E dela
usufruindo foi até que a alma
tão peremptória irradiou que a terra
sucumbiu. Para só reter a santa
iluminação que trouxe às trevas
vagar, a antiga aparição das águas.

Epifanias, Afrontamento, pág.61.

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