segunda-feira, abril 06, 2020

Apoiar o Estado Social? Sobre um novo Plano Marshall e a esquerda anémica


Vai sendo habitual, tristemente habitual, o slogan de uma certa esquerda, cada vez mais bem comportada e colaborante com o «status», do «queremos mais estado social». Nos últimos dias, houve quem, célere, se juntasse às palmas ao SNS e, evidentemente, ao glorioso Estado Social que o apoia. Gostaria de lembrar que a formulação de Estado Social foi construído, após 1945, pela Democracia-Cristã, sustentado pelo Relatório Beveridge, este último formulado em plena guerra e com plena consciência que era necessário dar alguma coisa aos trabalhadores antes que eles se virassem contra o Estado. A ascensão dos fascismos e as tentativas operárias revolucionárias entre as duas guerras na Europa não deixavam dúvidas sobre a emergência de um Estado Social salvador o que se veio a verificar a partir de 1947 com a ajuda americana do Plano Marshall. Sabemos que, a partir daí, a América nunca mais deixou a liderança económica do Mundo tornando-o numa colónia sua. Hoje, em Portugal, da esquerda a toda a direita, da Grécia à Alemanha, da Comissão Europeia ao FMI e ao Banco Mundial, retirando os incómodos «eurobonds», já todos querem um Plano Marshall. Esta unanimidade é claramente desmobilizadora para quem quer mudar radicalmente a vida que até aqui temos tido. É igualmente estranha e, para muitos, desconfortável, impedindo a formulação de verdadeiras alternativas sociais.

Hoje, o recuo da esquerda é bem visível em relação à formulação do conceito de Estado. Um dirigente do BE dá-nos um slogan ainda mais claro desse mesmo recuo: «Estado Social ou Barbárie» contrapondo esta expressão, evidentemente, aos anos 50/60 da revista «Socialismo ou Barbárie». Entretanto, o Estado Social tornou-se sacrossanto. Se se explana minimamente a defesa dessa tese substituindo o Socialismo pelo Estado Social, já ficamos boquiabertos, mesmo com gente acima de toda a suspeita de serem de direita, com o recuo total em formular qualquer crítica, mínima que seja, aos dirigentes desse mesmo Estado, nomeadamente à Directora da DGS e à Ministra da Saúde, confundindo-o deliberadamente com o Governo. Assim, o apoio ao tal Estado Social torna-se um apoio objectivo ao Governo PS, coisa de que já suspeitávamos há muito e que de todo, este não merece. Nem a incompetência da ministra da Saúde, dos ministros da Administração Interna e da Educação têm sido incomodada. O estado das coisas não permite grandes desaforos para com esta gente que bem merecia que a verdade lhes fosse dita.

A crítica suspende-se (se é que alguma vez existiu de facto!) e remete-se para o fim da pandemia, porque fazê-la agora seria uma machadada na luta contra o coronavírus. Que saibamos o estado de emergência não a suspendeu ainda.

Mas de que Estado Social estamos a falar? Do que nos sobrecarrega de impostos sobre o trabalho e que distribui para os que dominam desde sempre esse mesmo Estado? O das intocáveis PPP? O das Obras Públicas? O dos contractos principescos com a iniciativa privada? O dos subsídios às grandes empresas e às multinacionais? O que alimenta os Bancos? O que permite um sistema de influências individualistas e de nepotismo, seja ele familiar ou de partido? 

Nunca esta esquerda, que hoje se remete para a suspensão das críticas ao Estado e ao Governo do PS, se interessou por uma alternativa onde víssemos, ao menos um mísero esqueleto, as possibilidades objectivas e subjectivas de apropriação dos meios de produção através da construção de uma rede de trabalhadores, organizados economicamente e que decidissem autonomamente no plano político. Nem bastariam somente as nacionalizações, que só por si nada valeriam, mas nem disso falam.

Dêem-lhes o termo que quiserem, mas chama-se a isto, no mínimo, uma hipótese apresentada e defendida tantas vezes ao longo dos tempos, que é património da Esquerda, reduzindo o Estado ao mínimo denominador comum que é o da coordenação das vontades e dos desejos colectivos, ou se quiserem, de novas subjectividades. Configura-se o Estado Social nisto? É evidente que não. 

Se quiserem falar de utopias não se acantonem no Estado Social. É pouco, muito pouco. Mas que a breve trecho o terão de fazer, isso é quase uma certeza. Depois veremos as posições públicas que tomam.