domingo, novembro 26, 2006

Cesariny (1923-2006)


No país no país no país onde os homens
são só até ao joelho
e o joelho que bom é só até à ilharga
conto os meus dias tangerinas brancas
e vejo a noite Cadillac obsceno
a rondar os meus dias tangerinas brancas
para um passeio na estrada Cadillac obsceno

E no país no país e no país país
onde as lindas lindas raparigas são só até ao pescoço
e o pescoço que bom é só até ao artelho

ao passo que o artelho, de proporções mais nobres,
chega a atingir o cérebro e as flores da cabeça,
recordo os meus amores liames indestrutíveis
e vejo uma panóplia cidadã do mundo
a dormir nos meus braços liames indestrutíveis
para que eu escreva com ela só até à ilharga
a grande história do amor só até ao pescoço

E no país no país que engraçado no país
onde o poeta o poeta é só até à plume
e a plume que bom é só até ao fantasma
ao passo que o fantasma - ora aí está -
não é outro senão a divina criança (prometida)
uso dos meus olhos grandes bons e abertos
e vejo a noite (on ne passe pas)

Diz que grandeza de alma. Honestos porque.
Calafetagem por motivo de obras.
É relativamente queda de água
e já agora há muito não é doutra maneira
no país onde os homens são só até ao joelho
e o joelho que bom está tão barato


Mário Cesariny de Vasconcelos
Poesia (1944-1955), Ed. Delfos
Discurso sobre a Reabilitação do Real Quotidiano

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