segunda-feira, abril 28, 2025

"Os que não caem como Ícaro", Catarina Costa

 

Companhia das Ilhas, 2025
Em 2013, tive a felicidade de editar Catarina Costa com o seu "Dos Espaços Confinados", na Deriva. A experiência foi das mais gratificantes que senti como editor, não sem que percebesse que a autora, e muito certeiramente, recusava a exposição mediático-festivaleira do meio. Pressenti que estava perante uma poeta. Introspectiva, reflexiva, sólida. Segui-lhe, intermitente, os passos entre o romance e a poesia. 

Este é um extraordinário livro de poesia. Só posso garantir-vos assim dito, porque não gosto muito de utilizar adjectivos vãos. Não o largo tão cedo e acompanha-me na mochila. Aconselho-vos a fazer o mesmo, a adquiri-lo, a lê-lo sem concessões. Não o sublinhem, porque podem subsumir expressões e poemas adjacentes. Tomem o poema como um todo porque só assim terá sentido. Marquem, talvez, a página daquele a que voltarão sempre. Como este:

"Refreia a pulsão para embelezar o que decai
capta com objectividade cada esquina, 
cada casa, cada rosto que desce pelo tempo,
regista-os sem idealismo
antes que sejam subitamente aniquilados 
ficando os seus retratos a pender póstumos
num teatro de enganos, 
antecipa a necessidade de provas 
depurada de enfeites, 
não encenes, 
grava as silhuetas dos corpos a definhar
em que o único sombreamento
seja dado pelo ângulo da carne declinante 

não embelezes, 
tudo pode ser arrasado 
quando menos se espera 
expondo a carcaça artificial dos ornamentos

antecipa, 
que não te falte a profecia do dilúvio 
para saberes que deve ser fiel
a homenagem às coisas condenadas"

"Que não te falte a profecia", pág.7

Ou este ainda:

"Trágicos são os que não caem como Ícaro, 
os que caem sem nunca se terem podido elevar 
mais do que um palmo acima da terra, 
os que sucumbem desasados 
a uma só estocada rente à superfície 
antes de poderem arranjar cera de abelhas
e penas de pássaros para construir as asas 
que derreterão durante o voo
ao aproximarem-se em demasia do Sol
na ignição extática do aniquilamento 

que os que tiverem de cair ao menos caiam
desde as alturas e não desde as planuras
e chegando ao cimo possam ver
o quanto subiram pela vontade e engenho
e quão elevado é o ponto a partir do qual se desce

que ao menos sintam sobre o dorso despido 
e indefeso, quase carcaça, a tombar contra a terra 
o precipitado adejo de uma asas simuladas"

"Os que não caem como Ícaro", pág.33

Catarina Costa nasceu em Coimbra em 1985. Publicou o seu primeiro livro em 2008, "Marcas de Urze". Colaborou em várias revistas de poesia. Tem já uma bibliografia significativa embora discreta. É uma das maiores poetas actuais e seria importante que a seguissem com muito mais atenção. 

alc