Cutelo Edições, 2024. Tradução de Diogo Paiva
Que dizer de Pascal Quignard que não terá sido dito antes? Subjectivo, mas tenho-o de dizer de um modo claro: Quignard é, sem dúvida, um dos melhores escritores actuais. Para além do prazer da leitura de que fruímos (e não é isto o que leva um leitor a ter um livro nas suas mãos?), estamos diante de um autor que nos leva ao pensamento crítico, por vezes incómodo, mas igualmente ao conhecimento de um passado que nos reaviva a memória de uma humanidade que hoje terá perdido o seu rumo, ou que, de um modo subterrâneo, acumula energias para a mudança, talvez a última hipótese milenarista de que nunca se apartou. Quignard apresenta-nos tanto as impossibilidades, como as conquistas que nos levarão à conquista dos céus. Daqueles que, desarçonados, foram retirados, por combate ou por acidente, do seu arção, da sela protectora e prostrados sobre a terra. Destes, sabemos que foram igualmente vitoriosos, mesmo que não o viessem a saber. De Gilgamesh à Bíblia, da conversão de Saulo de Tarso em Paulo (uma das maiores patranhas do fundador da igreja cristã) a Platão e Aristóteles, de Luciano de Samósata ao Duque de Bourbon e a La Palisse, de Louise Michel a Blanqui, de Freud a Nietzsche e a Georges Sand, tudo em Quignard nos é novo, escrito contidamente, numa síntese notável de beleza formal e de sabedoria antiga, em pequenos trechos que nos convidam à sua guarda, ao registo para sempre, ao sublinhado como tentativa de eternizar aquilo que acabámos de absorver. Que escrita!