Relógio D'Água, Julho de 2024
Uma revisitação aos filmes policiais pelo texto literário muito particular de Ana Teresa Pereira que teimamos em ler. Comecemos pelo título: William Irish é um escritor americano de policiais «pulp» e que, segundo sei, tem só um livro publicado em Portugal pela Vampiro - «A Dama Fantasma». Foi também antologiado num livro de contos. Escusam de procurar nas livrarias porque só o encontrarão em alfarrabistas. Ana Teresa Pereira continua, como sabemos de outros livros anteriores de que já falámos aqui, no registo muito próximo do policial, mas igualmente no onírico, num mundo só dela, extremamente cinematográfico. Alfred Hitchcock, e os seus filmes mais emblemáticos, digamos que é o marco sempre presente no decorrer das cenas que compõem o livro, embora as personagens que são apresentadas sejam elas próprias o centro que faz desenvolver a história.
Narrativa essa que se divide em duas partes essenciais: a primeira, aquela que julgamos ser o decorrer de uma acção, ainda não policial mas psicologicamente densa, entre um homem e uma mulher. Durante a leitura, a habilidade literária de Ana Teresa Pereira, remete-nos para uma sensação de «dejá-vu», de cenas que nós já vimos em alguma parte, nalgum lugar. Sem termos a certeza, ou seja, na dúvida clara, lembramo-nos dos filmes entre os anos 30 a 50 do século passado. Todo o ambiente criado leva-nos a isso, a uma espécie de procura das razões que movem a mulher e o homem, e estamos ainda na primeira parte. E sabemos como Ana Teresa Pereira sabe impor-nos um ambiente de um parque, de uma casa, de cheiros particulares, de flores ou de vestuário. Na segunda parte do livro, virá a descoberta de que estamos dentro de um filme, que as personagens são actores e actrizes que embora não confundindo o seu papel com os seus próprios desejos ou objectivos têm de seguir o guião traçado por Hitchcok. É uma trama que se torna complexa, porque, segundo julgo, as características dos actores chocam, por vezes, na impressão psicológica das personagens vincada pelo realizador. É esta a tensão que percorre todo o livro.
«Vertigo», principalmente este filme, veio-me à memória (se lerem o livro, logo no início, perceberão porquê) durante a leitura e pelo seguimento do seu guião, mas «Rebeca», «Sabotagem», «Psycho» ou «Os Pássaros» também lá estão marcados, seja pelo decorrer do romance, seja pela referência múltipla a realizadores, filmes e a actores e actrizes que todos nós conhecemos e que se transformaram numa memória que a autora soube emergir para cada um de nós.
alc